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2004

Stradivari: Porto De Honra

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                          PORTO DE HONRA: AS STRADIVARI EM LISBOA





Os dirigentes do futebol conseguiram, em poucos anos, o que não foi possível em séculos de história: dividir o país em feudos rivais, que se digladiam, literalmente, nos estádios, nos jornais e nas televisões, gerando ódios violentos onde antes só havia um pouco de bairrismo e rivalidade regional que nunca fizeram mal a ninguém.
 
 


 



Manuel Dias brinda com Porto a todos os audiófilos
 

Manuel Dias optou pela música e em vez de jogadores de futebol importa equipamentos de alta fidelidade, embora as verbas envolvidas sejam quase equivalentes: as Stradivari, só para dar um exemplo, custam 30 000 euros! Manuel Dias assemelha-se a Pinto da Costa: tem uma grande equipa, a Imacústica; além de excelentes intérpretes (marcas) e aquele espírito ganhador.



Mas Manuel Dias gosta de receber com a hospitalidade que caracteriza as gentes do Norte. Conceição, a esposa, discreta e eficiente, dá o apoio logístico; o suporte técnico está a cargo do Luís, do Guilhermino e do Sérgio, que se sentem em família. Eles e nós com eles.
 

 





Manuel e Conceição

 


O DESAFIO



Foi esta grande equipa do Porto que veio a Lisboa disputar mais uma partida importante, perante um público exigente e conhecedor de audiófilos sulistas e elitistas : a apresentação ao vivo da obra máxima de Franco Serblin - as colunas de som Sonus Faber Stradivari, no Hotel Meridien. A avaliar pelo entusiasmo com que foram recebidas e o numeroso público presente, num fim-de-semana de Carnaval a convidar à fuga em massa da cidade, foi mais um desafio ganho num campeonato que começa a sentir já os efeitos da recessão. Até os dirigentes das «equipas» rivais estiveram na festa...



Em Outubro de 2003, assisti em Arcugnano, na Itália, à estreia mundial das Stradivari, que completam a trilogia Homage, composta ainda pelos modelos Guarneri e Amati. Desde então, tenho publicado artigos, que cheguei a recear serem excessivamente encomiásticos, sobre a sua beleza única e desempenho excepcional, tanto no DN como no Hificlube e, mais recentemente, na edição de Fevereiro da Stereophile, uma das mais prestigiadas revistas americanas da especialidade, e na revista de bordo da Air Luxor, Views. Estava pois algo apreensivo quanto ao resultado desta comparação pelos leitores entre o lido e o ouvido.



Até que ponto o reencontro com as Stradivari agora em Lisboa iria confirmar a impressão auditiva inicial que ainda tinha gravada na memória? E em que medida os leitores conhecidos e anónimos presentes ratificariam a minha opinião?


 



 
As Stradivari tocam no Meridien c/ amplificação Krell


 





A AUDIÇÃO

 


Confesso que, se possível, ainda gostei mais de as ouvir em Lisboa. O que antes não passava de um amor à primeira vista é agora uma paixão assumida. Alguma dureza na gama média (slapping echo effect), que se fez sentir com um ou outro CD, e uma óbvia ressonância no grave, ambas culpa da sala e não das colunas (não é fácil colocar umas colunas de banda larga numa sala enorme e com «maus modos» e obter resultados óptimos em tão pouco tempo) podia ter levado tudo a perder. A qualidade das Stradivari, contudo, ultrapassou com facilidade esse inconveniente acústico e permitiu que nos concentrássemos apenas na sua notável capacidade de «music making». Nem tudo se resumiu, pois, às características acústicas da sala e ao posicionamento das colunas que foram os principais temas de debate entre os «treinadores de bancada». Uns (eu também) tê-las-iam colocado mais próximas uma da outra para evitar o efeito de imagem maior-do-que-a-vida; outros (idem) teriam optado por «apontá-las» mais para dentro de forma a concentrar o foco da imagem estereofónica. Uma afinação mais aconselhada para um ouvinte solitário e não para um grupo de pessoas, conforme argumentou o Luís. Eu teria optado ainda por cabos Nordost Valhalla. O excesso de grave podia ter sido controlado com a obstrução parcial ou total do pórtico de saída «reflex» - uma heresia que nem sempre é pecado. Quando a fonte era o LP (salvé Guilhermino e Rui Borges), as Stradivari provaram à saciedade ser de uma musicalidade, coerência e veracidade únicas na minha experiência audiófila. As Stradivari são tudo o que as Quad gostariam de ter sido e nunca foram: completas. E, ao contrário das Wilson, por exemplo, que são fortemente personalizadas, apetece ouvir mais e mais música de todos os géneros, tipos e proveniências, porque tudo soa natural e sem artificialismo electrónico. As Stradivari têm paz interior, como muito bem notou Tiago Machado, e transmitem-na ao ouvinte na forma de música com coerência temporal, integridade tímbrica e riqueza tonal, tal como são percebidas pelo ouvido humano, e não necessariamente por equipamento de medida. As Stradivari esgotaram o meu catálogo de lugares comuns e hipérboles ao redefinirem o conceito de realismo acústico e transparência patente, em particular, na forma como reproduzem o «decay», o último suspiro dos sons antes de se extinguirem no silêncio. Eis como uma coluna de som que reproduz tão bem a vida, ao ponto de instrumentos e vozes se corporizarem na sala com elevado factor de surpresa (startling effect), se revelou também exímia na reprodução da... morte. Há outras colunas capazes deste realismo impressionante. Mas, tal como as figuras de cera no museu de Madame Tussaud, causam-nos por vezes um profundo mal-estar, tudo porque lhes falta a alma, como aos cadáveres na pedra fria da morgue.
 






Luís e Guilhermino

 


A ALMA



As Stradivari têm alma - literalmente: anima. A mesma pequena peça de madeira que liga o tampo e o fundo dos violinos e sem a qual estão mortos para a música. A breve audição comparativa de peças musicais interpretadas magistralmente por Salvatore Accardo, respectivamente num violino Stradivari, Amati e Guarneri, tornou evidente para todos os presentes por que motivo Franco Serblin chamou «Stradivari» à sua última obra de arte inspirada no grande mestre de Cremona. Por mim, ficava já por aqui até ser velhinho e surdo: as Stradivari lembram-me as minhas queridas Apogee Duetta...



A COMUNHÃO



Nunca assisti a uma demonstração comercial de equipamento de som onde as pessoas, homens e mulheres, estivessem tanto tempo sentadas a olhar para o vazio unidas pela comunhão de sentimentos, sentindo-se como que emocionadas e incrédulas perante uma tal manifestação de beleza acústica, enquanto Vitória, a única bebé presente, dormia o sono puro da inocência embalada pelo ritmo da música. Experimente fazer isso com um sistema AV sem imagem...


 


Nota: As Stradivari vão ficar em Lisboa, em demonstração dinâmica nas instalações da Absolut Sound e Video, R. Pinheiro Chagas, 17-C, telef. 213 552 710.

 


P.S. Quero agradecer as inúmeras manifestações de carinho e os elogios ao meu trabalho no DN e Hificlube e expressar o prazer recíproco que foi conhecer tantos leitores anónimos que são, no fundo, a razão de ser da minha escrita.

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