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2003

O Outro Lado De Bob Dylan



A crítica discográfica nacional dá em geral mais importância ao conteúdo que à forma. Ouvem os discos no discman enquanto escrevem ou no leitor do carro a caminho do jornal e para eles CD ou SACD (MP3?) é igual ao litro. Ora como o «sacdman 5.1» ainda não está disponível, multicanal está fora de questão...


Depois de uma audição-maratona de treze dos SACD (faltam no momento em que escrevo Nashville Skyline e Slow Train Coming) decidi limitar esta crónica à análise de cinco dos seis SACD multicanal, garantindo assim à partida alguma «exclusividade». Tanto mais quanto a «nossa» crítica não teve por certo acesso ao equipamento utilizado nesta audição: o Krell SACD Standard e o Sony SCD XA-9000es revezaram-se na leitura, ficando a amplificação e transdução a cargo do habitual sistema residente: McIntosh C2200, Krell FPB 400cx, Showcase, Martin Logan: Odyssey, Clarity, Theater i, cabos Siltech Classic e Nordost Valhalla. Se juntarmos a isto um par de amplificadores Halcro dm58...


Ouvir o poeta rebelde num sistema «capitalista» pode causar alguns embaraços políticos. E acústicos, pois põe a nu opções de mistura no mínimo bizarras. George Marino, o engenheiro responsável pelas masterizações multicanal, na falta de uma solução ideal optou por fazer experiências. Nuns casos dá argumentos aos que consideram que «remisturar» os originais estéreo para «5.1» é uma heresia semelhante à de colorir filmes clássicos a preto e branco; noutros vai obrigá-los a... meter a viola no saco.
Antes de nos deixarmos «rodear» por Dylan e a sua banda, convém fazer um aviso à navegação. Com a má qualidade dos sistemas «Surround» que pululam por aí, tenho receio que a maior transparência, claridade, dinâmica e riqueza harmónica do SACD em relação ao CD seja «ouvida» como brilho e estridência. Vai haver quem prefira o «velho» CD. Atenção: a culpa não é do SACD (se é um fã de Dylan, compre a colecção toda que não se arrepende). E aqueles «brinquedos» que fazem as vezes de canal central, colocados em cima da televisão tipo bibelot para dar som aos filmes em DVD, não ajudam nada: a voz de Dylan já de si dura e nasalada pode nestes casos soar fanhosa. Dito isto, eis em resumo aquilo que o espera se possuir um sistema com selo de garantia audiófila:



Another Side Of Bob Dylan


A produção original é pobre e não justifica a transferência para multicanal. Podiam ter optado por Street Legal, Oh Mercy ou Infidels, por exemplo, que têm mais pano para mangas. A voz e a harmónica são maioritariamente reproduzidas em estéreo pelo par frontal, assim como o acompanhamento de guitarras. De tal forma que se desligar os canais traseiros e central não perde muito. Marino resistiu aqui à tentação da pirotecnia acústica: o canal central é judiciosamente utilizado para «encher» e focar a voz e a harmónica de Dylan, conferindo-lhes mais corpo e presença. O efeito «surround» é reduzido, lembra o Dolby Pro Logic, guitarras e harmónicos de reverberação e ecos fora-de-fase da voz reproduzidos pelo par traseiro não são suficientes para tornar o som «envolvente».



Bringing It All Back Home


A âncora aqui é o canal central. Se não possui uma coluna central de qualidade a voz de Dylan vai soar-lhe dura. Inverteram-se os papéis em relação ao disco anterior: o «enchimento» da voz e da guitarra está agora a cargo do par frontal a quem foi também distribuída a percussão. George Marino exagerou no peso relativo dos canais traseiros com o acompanhamento de guitarras claramente colocado atrás do ouvinte. A excessiva localização prejudica a componente de envolvência.



Love and Theft


Reviravolta completa. George Marino passou-se! Dylan é banido do canal central e transferido para o par frontal e, ó surpresa!, para o par traseiro. Na faixa Bye and Bye, por exemplo, desligando o par frontal, a voz de Dylan ouve-se distintamente em fase atrás do ouvinte e pode facilmente seguir-se a letra da canção. No centro temos agora percussão, pratos, piano, violino (?). Na faixa High Water, a guitarra aparece no canal central e o par frontal é coadjuvado pelo par traseiro com a voz de Dylan fora-de-fase. E assim por diante. Por estranho que pareça, o maior peso da percussão, voz e acompanhamento no par frontal confere ao conjunto do som poder e envolvência e compensa o facto de Dylan já não ter a voz de outrora...
Em todos os casos, o equilíbrio final favorece o par frontal de forma a prender a atenção do ouvinte no palco virtual à sua frente. O efeito «surround» acaba até por ser interessante.



Blonde on Blonde


Mistura ortodoxa: Frente: 50%, Centro: 20%, Traseiro: 30%. Voz e harmónica ao centro; percussão:frente-direita+traseira-direita; guitarras: frente-esquerda; acompanhamento: par traseiro. Muito bom o efeito de envolvência «surround». Trata-se de um disco duplo. O disco 2 desloca o equilíbrio ligeiramente para o par frontal (?).



Blood On The Tracks


Na linha de «Blonde On Blonde» mas com um som ainda mais transparente. É o disco multicanal que recomendo para quem comprar apenas um. Exige uma boa coluna central. Aliás, faz justiça a um bom sistema de som com capacidade SACD-multicanal. Vai obrigar alguns detractores do multicanal a meter a viola no saco, embora esteja longe da perfeição de «Hourglass», de James Taylor, registado recentemente em DSD para SACD-multicanal.


Para quem tem apenas SACD-estéreo, recomendo «The Freewheelin' Bob Dylan», de 1963: não há amor como o primeiro e o som é excepcional. Nunca, mas nunca, ouvi a voz, guitarra e harmónica de Dylan com tanto realismo. Nem em Lp e muito menos em CD. O SACD de Dylan que levava para a ilha deserta.

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