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2006

Highend Show - Porto - 2006: Parte 5



TOPAUDIO

Na ausência da Imacústica, foi a TopAudio que serviu no Highend Show o “Porto de Honra”. Creio que foi a primeira vez que as Utopia Grand foram exibidas em Portugal. Só por isso já seria notícia. Mas a TopAudio trouxe consigo também toda a baixela de prata da Chord. Sabem que tenho um fraco pelo DAC64 original que, aliás, utilizo como uma das minhas referências, embora já vá dando sinais de obsolescência num ou outro aspecto da reprodução musical, nomeadamente a transparência que é hoje possível nos registos baixos. No Sheraton foi utilizada a última versão DAC 64/Blu, além de uma artilharia impressionante composta pelo prévio SPM5000, o processador DSP 8000, e os amplificadores monobloco 14 000 Ultimate, que alimentaram os protótipos das colunas KEF Austin no recente HighEnd Show de Munique

Não satisfeita com o opulento banquete audiófilo que proporcionou aos visitantes, a TopAudio apresentou ainda pratos de imagem/som surround servidos por um projector Sony Qualia 004, aproveitando as potencialidades do 8000 AV a que juntou um amplificador SPM 4000 para atacar o canal central (Utopia Be) e um par de SPM 6000 para proteger a retaguarda em conjunto com as Utopia Alto. Uff! Como eu escrevi na reportagem fotográfica de abertura: um tesouro digno de um rei.

Quem se senta para apreciar o desempenho de um sistema de tal complexidade e preço nem sempre faz a ideia como é difícil conseguir resultados dignos em tão curto espaço de tempo. Acontece que o S. Pedro não ajudou à festa e o dilúvio que se abateu sobre a cidade obrigou a mudar todo este equipamento em tempo recorde de uma sala onde chovia (afinal o Sheraton não é assim tão perfeito…) para aquela onde se realizou a demonstração.

A sala era enorme e a Topaudio aproveitou bem o espaço com uma exposição estática da vasta gama de produtos que comercializa que, além da Chord e JM Lab, inclui agora também a Arcam.


Além de exibir brinquedos de luxo com os amplificadores Hovland e as Electa em espaços abertos nos pontos de passagem obrigatórios.



PORTO DE HONRA



O primeiro cálice tomei-o na companhia de Patrícia Barber. Notei um “piquinho” impertinente em todas as sibilantes da Patrícia. De resto estava muito bem. O som estava um pouco baixo, mas a gravitas típica da cantora impunha-se ao ouvinte criando um ambiente quase religioso. Aliás, todo o ritual litúrgico dirigido por José Marques apontava nesse sentido: deixar a música entranhar-se lentamente.



Este foi o único grande sistema presente e a expectativa criada à sua volta era ainda maior. Por 250 000 euros as pessoas esperam poder ouvir a voz de Deus, passe a heresia. Acontece que, por vezes, é possível obter melhor som relativo a partir de um sistema dez vezes mais barato. Até porque o som absoluto é uma…utopia. E digo relativo na justa medida em que uma miniatura pode ser tão perfeita quanto o original. Mas falta-lhe escala. Ora é de uma questão de escala que se trata aqui. É verdade que quanto maior é a nau maior é a tormenta. Só que, perante um sistema deste calado, os sistemas mais domésticos não passam de cascas de noz tentando não se afundar nas águas revoltas da música.



Podemos todos apontar ao som da Topaudio, tal como foi demonstrado no Sheraton, “defeitos” de pormenor: tímbricos e tonais, que não são estruturais, são conjunturais e passíveis de serem resolvidos com mais tempo, outros cabos, outros discos, outro espaço. Mas a qualidade intrínseca das partes e do todo não pode nunca ser posta em causa, pois isso revelaria, mais do que arrogância, ignorância. Não sofro da primeira - já engoli muito sapo com prazer - e não posso alegar a segunda, pois conheço as Utopia desde que nasceram.



A primeira vez que ouvi as Utopia em S. Francisco cheguei a pensar que sofria de alucinações provocadas pelo jetlag, tal a ilusão de presença e tangibilidade dos intervenientes, num palco sonoro que era possível medir com fita métrica. Seguiram-se dezenas de outras audições, sendo a mais recente, no HighEnd Show de Munique, a derradeira prova da notável capacidade das “Grand” para reproduzir música numa escala real.



Ora isto, meus amigos, custa muito dinheiro, e só está, hélas, ao alcance de meia-dúzia de colunas e de…pessoas, o que custa a engolir, e nos pode levar a ser menos tolerantes, quando o agudo soou aqui mais incisivo que o desejável; o médio endureceu ali numa determinada passagem musical; ou o grave deu a sensação de ter perdido um tudo de nada de controlo; ou não foi lá abaixo tanto como ouviramos nas nossas fantasias mais delirantes, e apetece logo gritar que o rei vai nú. Não vai, não! Está vestido de brocado fino, bordado a fio de prata e ouro…



Voltei lá uma segunda vez, e pude sentar-me numa posição mais central. A imagem era sólida e não detectei nas vozes masculinas a mesma propensão para a sibilância, embora as cordas de guitarra mostrassem ainda garras afiadas. Ouvi algumas notas graves típicas da respiração profunda só possível com os grandes sistemas, e até o ubíquo concerto de Jarre na China revelou afinal ter mais carne agarrada aos ossos: sentia-se o bruáa entusiasmado do público sob as notas sintetizadas daquela flauta (clarinete?) electrónica.



A imagem não fazia justiça ao som, e era aqui um claro complemento deste, mau grado a presença do fabuloso Qualia 004. Foi pena não ter sido explorada a sua capacidade para projectar imagens de grandes dimensões em condições de total obscuridade, mas José Marques foi peremptório: a vedeta aqui é o som! E era, de facto…



A apoteose videófila foi um excerto da Guerra das Estrelas com efeitos especiais bem conseguidos de naves a atravessar a sala na oblíqua, num mundo tão utópico e inalcançável quanto as colunas. Menos bem os diálogos no canal central, algo ásperos e não totalmente inteligíveis. Mas, se pensarmos bem, mesmo no futuro, as transmissões via rádio em situação de combate soarão sempre artificiais e tensas. Dentro de mil anos (talvez mesmo 100 anos) tudo o que é natural estará morto ou em vias de extinção. O melhor é sentarmo-nos e aproveitar para ouvir música em sistemas como o proposto pela TopAudio antes que seja tarde…


ZEN AUDIO


Conheço Peter Lyngdorf há mais anos do que gostaria de admitir, pois é sinal de que a minha carreira deglobetrotteraudiófilo já vai demasiado longa. Sempre me recebeu com simpatia e cordialidade em todo o mundo onde dá a cara pelas suas marcas. Tenho uma inveja benigna da sua fortuna pessoal, energia, convicção e ainda o facto de ter caracóis na cabeleira loira, coisa que eu já não tenho há muito também. Sou, portanto, seu admirador. Mas não sou um seguidor cego das suas teorias.
Miguel Pais fotografado no Forum Hifi Event II


O Miguel Pais assimilou muita da energia e convicções de Peter Lyngdorf. É igualmente simpático e bom anfitrião, e defende bem a sua dama, pois acredita piamente nas virtualidades da teoria do processamento digital intensivo dos sinais para os adaptar à realidade física do binómio sala/colunas.


Fui dos primeiros a assistir em Las Vegas à demonstração das potencialidades (e das limitações) do amplificador digital TACT Millenium, empresa de cuja herança tecnológica nasceram a Boz (desconhecida entre nós) e a Lyngdorf de que Peter é a alma e, portanto, será esta a única sobreviver na selva audiófila.


Segui depois ao longo dos anos a carreira da Tact, tendo testado o amplificador Millenium e o processador RCS 2.2X


Em ambos os casos, não fiquei totalmente convencido. O mesmo se passou no Sheraton.


Vejamos:


A demonstração da Zen Audio assentou fundamentalmente em dois princípios técnicos herdados do guru Lars responsável pelo departamento técnico (e criativo) da TACT e da Dali que, na minha humilde opinião, são dois equívocos.


A saber:


1. 'Subwoofers' com corte aos 400Hz?!...


2. Digitalização dos sinais analógicos recuperados por células de leitura


Vamos às fontes primeiro, porque a questão dos 'subs' vai levar mais tempo.


Não havia qualquer diferença audível - refiro-me ao carácter do som, pois não foi feito qualquer comparativo A/B com o mesmo disco - entre o Lyngdorf CD-1 e o gira-discos do Rui Borges! E o que significa isto? Que o CD-1 é tão 'analógico' que não se distingue de um gira-discos de reconhecida qualidade? Admito que sim: logrei identificar no CD-1 os genes de um bom leitor-CD. Fica aqui registado o meu desejo de o testar logo que possível.


Mas receio bem que a ausência de diferenças entre ambos se tenha antes ficado a dever ao processamento digital do módulo ADC. Gastar uma fortuna num gira-discos/braço/célula e depois digitalizar o sinal não será levar longe demais a crença no processamento digital?


Não que a 'digitalização' per si seja uma coisa má, desde que não resulte em 'homogeneização' da música. A proposta técnica da Behold, por exemplo, quase mantém a ilusão de se estar a ouvir LP. Será que digitalizar o sinal mais perto da origem é uma melhor solução?


E agora vamos à questão de… fundo.


No Sábado, à tarde, por volta das 17 horas, sentei-me na sala da Zen Audio para ouvir o sistema principal assim descrito pelo Miguel Pais:

Sistema activo 2+2, constituído por Amplificador Lyngdorf Millennium a alimentar as colunas MH1, e com a saída de crossover ligada a um power SDA a alimentar os woofers de canto W210.


Fontes: CD-1; gira-discos Rui Borges Último com braço SME V e Lyra Helicon, ligado ao conversor Millennium ADC com entrada de phono.


Havia algo de tão intrinsecamente errado que eu me pergunto como é possível alguém considerar que se tratava do melhor som do show, como ouvi e li por aí. Já não me refiro ao facto de o 'Ultimo' de Rui Borges ter feito ali jus etimológico ao nome, não no sentido anglo-saxónico de 'ultimate', mas no sentido mais latino de 'último': a tradicional riqueza harmónica e 'swing' dinâmico estavam ausentes.


Mas o principal problema residia nos 'subs de canto', como são designados pela Lyngdorf. Não só denunciavam imediatamente a sua posição como ainda se imiscuíam em áreas reservadas aos médios, provocando confusão tímbrica e instabilidade da imagem estéreo. Por exemplo, o som de uma sineta soou 'rachado' ao meio e dividido entre as colunas principais e os 'subs'! Ainda pensei: caramba estes 'subs' devem estar bem activos aos 3kHz, será que o Peter Lyngdorf se passou de vez!?...


Com música de órgão o efeito era espectacular, pois alargava a imagem (os pedais ouviam-se bem nos cantos, completamente fora das colunas principais) como se o órgão tivesse dimensões reais e a sala fosse uma catedral (por acaso é apenas uma igreja metodista) e os registos médios ondulavam no palco sonoro como uma aurora boreal.


Decididamente, os 'subs' não estavam ali para 'apoiar' discretamente as MH1, mantendo o anonimato, antes exibindo-se como colunas autónomas.


Saí de lá desiludido, claro.


Mais tarde Miguel confessou-me mortificado que alguém tinha carregado num botão qualquer, e que os 'subs' tinham estado todo aquele tempo a tocar 'directos', isto é, sem processamento. Ora acontece que os W201, ao contrário de outros 'subs', não podem funcionar como elementos autónomos, pois foram especificamente projectados para serem utilizados em conjugação com amplificação/processamento da Lyngdorf.


E porquê? Primeiro porque não são activos nem têm filtros. Acresce que os W201 são mais 'woofers' que 'subwoofers', pois reproduzem não só frequências baixas mas também médias, o que implica que é necessário processamento digital intensivo para corrigir o alinhamento temporal e de fase, que é tanto mais complexo quanto mais afastados estiverem das MH1, como era o caso.

Reparem na foto como Peter Lyngdorf coloca os 'subs' atrás nos cantos mas com as MH1 bem mais próximas.


Mesmo assim houve quem gostasse, o que só prova que a beleza está nos ouvidos de quem ouve…


Voltei lá no Domingo, claro. Eu gosto da Lyngdorf e farei tudo para ajudar a Zen Audio a provar à comunidade audiófila nacional que é uma marca de qualidade. Mas a Zen Audio estava em maré de azar. Entrei na sala, vindo da sala da Burmester, onde tinha estado a ouvir 'Stimela', a níveis bem puxados e com ampla exibição da paleta tonal e dinâmica. Ora o Hugh Masekela também estava a actuar na Zen Audio só que numa escala bem diferente: o impacte, a presença, o ataque adivinhavam-se apenas, não se sentiam.


Mesmo assim, soou bem melhor que na véspera: o 'Messias' soou etéreo e divino com o 'Ultimo', ainda que sem alterar nada da minha opinião anterior de que teria sido preferível manter o sinal sob formato analógico até onde fosse possível.


Os 'subs' soaram-me mais solidários mas, mesmo assim, o contrabaixo de Jay Leonhardt denunciava a presença do 'sub' colocado no canto direito, flutuando a imagem entre o centro e o lado direito do palco consoante as notas subiam ou desciam na escala tonal.


Fazer depender tudo do processamento digital parece-me uma opção errada e um equívoco. O ideal seria colocar as colunas mais próximas dos 'subs', já que estes têm de ficar nos cantos onde são mais eficazes, para não dar tanto trabalho ao algoritmo de correcção da sala. Estes 'subs' em conjugação com a amplificação/processamento da Lyngdorf devem fazer maravilhas num sistema com colunas electrostáticas como as Final, conferindo-lhes corpo e volume na zona crítica dos 200Hz. Talvez se perca em transparência o que se ganha em transcendência. Mas não se pode ter tudo, não é?...


A verdade é que eu gostei de ouvir o outro conjunto assim descrito por Miguel Pais:

Leitor de cd's Lyngdorf CD-1, amplificador TDA 2200 equipado com o módulo RoomPerfect, e colunas Xavian 270. Colocação de colunas encostadas à parede, e compensadas com a equalização do RoomPerfect.


As Xavian são obviamente mais limitadas em termos de banda, mas soaram-me muito mais coerentes e musicais, o que só abona em favor da electrónica Lyngdorf quando não se torna complexo aquilo que é simples.


Ou seja, o material da Lyngdorf é de qualidade e está em boas mãos. O Miguel só precisa de tempo para perceber que a matemática não resolve tudo, um pouco de psicologia também faz falta.


Se isto fosse fácil, eu já tinha deixado de escrever há muito tempo, porque não teria nada para dizer. Ou então diria sempre a mesma coisa para agradar a gregos e a troianos. Há quem o ande a fazer há anos impunemente…


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