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2002

Dcs Purcell/delius: O Céu É O Limite



Delius é um conversor D/A, Purcell um conversor D/D. O primeiro transforma números em música; o segundo números em... números. E joga com eles: é fácil passar de 44 para 88, 176, ou mesmo 192. O Delius aceita todo o tipo de sinais digitais PCM, em qualquer frequência ou número de bits.
As saídas digitais (coaxial) de um leitor-CD (Marantz CD63KI) e leitor-DVD (Denon DVD5000) foram ligadas ao Purcell por meio de cabo digital Transparent e Kimber Select (1), e este, por sua vez, ao Delius através de dois cabos balanceados, também da Kimber (só assim se pode obter a máxima resolução: AES1+AES2). O sinal que sai do CD (16-bit/44,1kHz) ou do DVD (24-bit/96kHz) pode ser servido directamente ao Delius para conversão D/A ou passar primeiro pelo Purcell para ser «multiplicado» - uma espécie de «milagre dos peixes» da era digital. Assim, o que era no original 16/44 ou 24/96 pode passar a ser 24/192, ou qualquer outra combinação intermédia (16/88; 16/176; 20/88; 22/176, etc.), reportando-se os primeiros algarismos aos número de bits e os segundos à frequência de amostragem. No domínio digital, matemática e música confundem-se. Teoricamente, 24-bit é melhor que 16, e 192 mil amostras por segundo melhor que 44 mil. Elementar, não é verdade? Mas também aqui é preciso ter muita fé. Porque, por mais que se estique, puxe, multiplique, não é possível ir buscar ao CD mais informação do que aquela que foi registada originalmente. Digo eu, que mal sei a tabuada. Pior ainda: alguma da informação que lá está não interessa a ninguém: mais som nem sempre significa mais música. É um pouco como a economia actual: transaccionam-se milhões mas nunca se vê a cor do dinheiro. É tudo engenharia financeira. Aqui a engenharia é digital. Com a ajuda do Purcell («up-sampling») o CD dá-se ares de formato de alta-resolução (DVD-Audio e SACD). O Delius entra no jogo, e lá aparece no visor 24/192, como se fosse uma cotação especulativa na Bolsa, cujo valor nominal é de facto muito mais baixo: 16/44.
Podendo ter 176, ou mesmo 192, quem quer 44? Quem resiste a 24, quando só tem 16 no bolso? Confuso com os números? Vamos, então, à música.


Ouvi a minha habitual colecção de CDs (vira o disco e toca a mesma, porque preciso de ter referências) e alguns DVD (Chesky e Classic Records) para pôr à prova a capacidade do Delius converter 24-bit/96kHz, tendo como fonte digital um Denon DVD-5000. O Delius pode ser ligado directamente aos amplificadores. Assim fiz, liguei-o com cabo balanceado Transparent Reference a um par de soberbos Krell FPB 250Mc. Na outra ponta, as habituais Sonus Faber Extrema. Mantenho a minha opinião de que não há nada que chegue a um pré-amplificador de permeio. O Delius tem um saída de 6V e outra de 2V (seleccionada a partir do menu). Preferi a de 2V. Portanto, não é uma questão de «falta de alimento»; é uma questão de temperamento.
O som do Delius tem classe. Nem seria de esperar outra coisa de um brinquedo que custa 1.550 contos, um preço pouco menos que obsceno, se considerarmos que qualquer leitor-CD pindérico tem lá dentro um «chip» que faz exactamente o mesmo: converte números em música. Aliás, o Delius não tem um «som» - tem quatro: tantos quantos os filtros, que podem ser seleccionados com o controlo remoto. É curioso como os diferentes filtros alteram a imagem estereofónica mais que o timbre ou o tom. O filtro 1 dá-lhe um palco mais alto; o filtro 2, mais profundo. Não gostei muito do filtro 3, e acabei por optar pelo 4 (a focagem é mais precisa). Perdi um pouco da energia crua do filtro 1. Paciência, não se pode ter tudo. O Delius é particularmente transparente e rico de pormenores acústicos. Não tem a atitude enérgica e autoritária dos Theta e dos Krell nos graves; nem a doce compostura dos Wadia nos registos agudos. Mas do lado de cá do Atlântico não deve ter concorrentes à altura. Tem classe, repito. Estou como aqueles passantes apanhados na rua por um repórter da SIC que lhes pergunta o que pensam sobre um determinado assunto: «Não tenho palavras para exprimir o que sinto...». O que invariavelmente significa que não fazem a mínima ideia do que hão-de dizer. Eu estou assim: gosto do Delius sem saber porquê. Talvez porque trata todos os sons com equidade. Sou um democrata e tenho gostos muitos simples: o Delius chega-me perfeitamente. Mesmo sem o Purcell.


Quanto ao Purcell: ouve-se mais música? Nem por isso. E, contudo, eis que depois da experiência dificilmente queremos voltar atrás. Por outro lado, o som (todo o som) melhora substancialmente: consegue ser mais denso e mais transparente ao mesmo tempo. Começando pela base: segue-se melhor a linha do baixo e o ritmo é mais marcado; os registos médios ganham solidez e verosimilhança, o agudo substância; e, algo que no CD peca por ausência, a fraca ilusão de tangibilidade, que faz com que tudo resulte tão electronicamente frívolo por comparação quando se ouve um orquestra sinfónica ao vivo, ganha agora uma nova dimensão».
Contudo, mesmo puxado até aos limites, o CD não tem hipótese de comparação com o SACD. Estamos a falar de realidades diferentes. Aliás, o CD não tem sequer comparação com os DVD-A (DAD e SAD). Basta comparar a versão em CD e em DVD de Dave's True Story, Sex Without Bodies (2), o primeiro puxado pelo Purcell para os 24/96 e o segundo directamente convertido pelo Delius à mesma frequência, ou ambos processados até ao limite dos 192kHz, para perceber isso. Aparentemente, o CD soa mais alto e a vocalista Kelly Flint parece ter mais presença, mas perde-se a naturalidade e o «ar» que envolve os músicos patente no DVD. No DVD, o ar é puro e fresco; no CD, o ar é... condicionado.
Digamos que o Purcell funciona como uma lupa digital. Pegue numa fita métrica e corte dois bocados, respectivamente de um e quatro centímetros. Coloque-os ao lado um do outro. Aponte a lupa para o bocado mais pequeno de forma que pareçam do mesmo tamanho. Passa a ver tudo como mais nitidez. Cada traço correspondente aos milímetros fica agora mais claro e distinto. É mesmo possível contá-los um a um. Mas nem por isso deixa de ser o que era antes: um centímetro - apenas isso.
O CD «When I look in your eyes», de Diana Krall, só para dar o mesmo exemplo, voltou a soar-me melhor depois de «aumentado». Já Caetano Veloso, em «Prenda Minha», ouvido a 176.4 e 192kHz, revelou imediatamente a má qualidade dos microfones (colorações, sibilância) e estragou a audição de um disco que eu adoro. Ao contrário de outros conversores, o conjunto Purcell/Delius não deita o bebé fora com a água do banho: devolve-nos o bebé CD mais rechonchudo e a cheirar a sabonete DVD. Mas arrisca-se a levar com a água suja do banho na tromba se o CD for de má qualidade.
Com o SACD e o DVD-A já por aí à venda, seria loucura recomendar o conjunto dCS Purcell/Delius sem reservas. Contudo, se tem uma grande colecção de CDs e dinheiro para gastos não hesite. Finalmente, vai ouvir tudo o que está nos discos que comprou. Só não garanto que queira ouvir toda a verdade. A verdade liberta mas também magoa. A alternativa é viver na dúvida. Que ainda dói mais. Vá ouvir o Purcell/Delius e acabe com as dúvidas existenciais, ou melhor, musicais.

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