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2008

Absolute Sounds Comemora 30 Anos

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Ricardo Franassovici by JVH (1994)

Há mais de 20 anos que tenho o privilégio de ser amigo de Ricardo Franassovici. Já contei aqui o episódio curioso do nosso primeiro encontro, no âmbito das Journées de la Haute Fidelité, no Hotel Nikko, em Paris. Ricardo estava na ocasião acompanhado por um marselhês gordo, que contava histórias picantes das Quad ELS63 “nuas”, como se estivesse a falar de bailarinas do Moulin Rouge. 'Só não convém beijá-las, quando estão a tocar – o beijo delas é quente e mortal...', dizia, com o riso característico do tipo pícnico, profundo no tom e no sentido.

 

Quando entrei na sala, ao ouvir-me tentar explicar no meu melhor francês, que tinha vindo de Portugal expressément para ouvir as Apogee, saudou-me na língua de Camões, com grande surpresa minha, como se já me conhecesse há muito tempo:

 

“Tás bom, pá!, senta-te aqui, bebe um copo. Ah! Portugal…que bom, adoro aquele país como se fosse meu: Cascais, Estoril… o Guincho, o peixe fresco, os gelados do Santini, que saudades!... passava lá as férias de Verão, quando era miúdo, na casa de uma tia que era Condessa, sabias?…”.


Desde então, é como se, de facto, nos tivéssemos conhecido desde sempre. Sem nunca nos termos cruzado antes, o nosso carácter foi influenciado pelo mesmo ambiente sócio-geográfico – a Costa do Estoril, nos anos sessenta. Numa época em que a vida era mais risonha e simples, e não havia poluição, nem no mar nem no ar, a comida era boa e barata (abundava o marisco a pataco), o nível de construção (civil) era baixo e o da segurança alto. Havia outros problemas, é certo, mas a juventude primeiro e os anos depois têm tendência para nos deixar guardar na memória apenas as coisas boas, excepto a guerra...
 




O cheiro do mar, o prazer de sentir a areia molhada nos pés nas longas caminhadas pela praia, com o sol a morder-nos a pele bronzeada e saudável, o gosto único do peixe fresco e o sabor irrepetível das bolas de Berlim das vendedeiras de avental branco e imaculado, o pregão despertando-nos da modorra dos fins-de-tarde estivais no Tamariz; e das castanhas fumegantes no Outono, embrulhadas em cones amarelos de lista telefónica ou de papel de jornal com notícias cinzentas a preto-e-branco. Tudo isto faz parte de uma paleta comum de sensações indeléveis, a que o destino resolveu juntar depois a paixão pela música reproduzida no limite da perfeição, num aparente desejo subconsciente de reviver o som poderoso das ondas salgadas e frias do Guincho iluminadas pela bola de fogo do sol derretendo-se lentamente no mar como um gelado do Santini no céu da boca.  



 

No ano da morte da Princesa Diana, Ricardo editou um CD para recolha de fundos (Londres 1997)

Há coisas que nos marcam para sempre. Eu, por exemplo, não sei viver longe do mar – ou da música. Mesmo que só o oiça ao longe, mesmo que o sistema não esteja a tocar. Basta-me saber que estão ambos lá à minha espera. Diz-se dos locais onde fomos felizes que a eles não devemos voltar nunca. São loucos, não sabem o que dizem. Nunca aprenderam o verdadeiro significado da palavra saudade, como Ricardo aprendeu à sua custa. Como ele gosta de voltar aos locais onde foi feliz: a Cascais, ao mar do Guincho, essa entidade mítica que ainda o atrai como as sereias a Ulisses, que lhe cantam o fado e o 'entristecem' de felicidade. Estava escrito que seria esta a sua sina: ter sucesso na vida.






Eis como um francês, de ascendência romena, charmeur e cidadão do mundo, un vrai sorcier du audio, residente em Londres, que domina tantas línguas, incluindo a de Camões, quantas as culturas que assimilou ao longo da vida, me iniciou, por um daqueles acasos em que o destino é pródigo, no contacto com os melhores equipamentos de som do mundo, sem que a amizade cimentada no longo percurso comum alguma vez fosse chamada por ele à colação, quando chegava a altura de publicar a minha avaliação sempre imparcial. Porque a amizade implica respeito mútuo. Acaba depressa e mal tudo o que se baseia apenas no interesse pessoal.

Tal como na adolescência, continuamos a viver vidas paralelas, em ambiente social diferenciado, num topos existencial que nos une para lá da distância – o highend. Assim seja por muitos anos.

 

30º ANIVERSÁRIO DA ABSOLUTE SOUNDS








No ano da graça de 2009, a Absolute Sounds comemora 30 anos de existência e mereceu já honras de notícia alargada no Financial Times a propósito do novo estúdio. E Ken Kessler vai dedicar-lhe um artigo especial na Hifi News. O Hificlube associa-se assim à efeméride com prazer e gratidão. Porque a Absolute Sounds teve para a minha carreira de crítico de áudio a importância da London School Of Economics no currículo de um estudante de gestão.






Em 1987, na sua antiga casa em Londres, concedeu-me a minha primeira grande entrevista para a revista Imasom (abrir pdf no final do artigo). Permitam-me a imodéstia de vos dizer que vale a pena reler as quatro páginas de texto e fotos. Quanto mais não seja porque pela leitura, ainda que apressada, perpassa a inocência do deslumbramento original do meu primeiro encontro com as Sonus Faber Electa, numa reportagem que moldou a paixão pelo áudio de muitos audiófilos da época. O encanto permanece. A amizade mantém-se. Vinte anos se passaram, entretanto...



 




 
 
Foi ele quem me apresentou, em pé de igualdade e sem paternalismos, à nata da crítica internacional, e propôs, em 1996, o meu nome para jurado honorário da Academy For The Advancement Of High End Audio, que se reuniu, em Junho  desse mesmo ano, pela primeira vez no Waldorf Astoria, em Nova Iorque.





 
Foi através de Ricardo Franassovici que conheci algumas das principais figuras da cena audiófila mundial, como Bill Z. Johnson, Dan D’Agostino, Franco Serblin, Dave Wilson e muitos outros nomes míticos do áudio highend.






Foi também ele quem me permitiu ouvir pela primeira vez o som Apogee/Krell, Audio Research/Magnepan, Jadis/Sonus Faber. E as Martin Logan Statement!...




 








JVH manda da praia do Guincho um abraço de luminosa maresia ao grande amigo de Portugal Ricardo Franassovici, enquanto saboreia um robalo-ao-pão no Porto de St.ª Maria. Que seja feliz, na companhia da sua jovem família, mesmo envolto nas brumas eternas da velha Albion, e que comemoremos juntos as Bodas de Ouro da Absolute Sounds com uma garrafa de champanhe francês. Só faltam mais vinte anos, calma amigo...

 


Um abraço de Portugal



José Victor Henriques

P.S. Quanto ao gelado do Santini, vais ter de esperar pelo Verão, pá!...

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JVH entrevista Ricardo Franassovici para a revista IMASOM (1987)


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