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2004

Som Absoluto - Parte Ii



Por outro lado, a única forma de acedermos ao conteúdo de um disco é lendo-o ... o que implica a utilização de uma cadeia de equipamentos (sistemas de leitura, conversão, amplificação e reprodução electro-acústica). Um sistema só pode ambicionar ser fiel ao que está no disco (3), que é o produto final de uma cadeia de processos marcados pela assinatura de equipamentos (imperfeitos) e de opções pessoais (subjectivas, por definição).


Passemos à relação com a música:


1) 'Largura de Banda': A música ao vivo é uma experiência sensorialmente muito mais rica que a que a música gravada nos pode ou alguma vez poderá oferecer. Na música ao vivo temos elementos visuais - interpretes e instrumentos são localizados e seguidos visualmente (não temos que os localizar apenas auditivamente). Temos a expressão corporal e facial dos intérpretes, a audiência ...A música ao vivo dá-nos, através dessa 'largura de banda' adicional uma compreensão mais profunda e completa do evento;


2) Contexto: temos a 'atmosfera' que caracteriza um concerto e que só aí pode ser sentida; há a preparação para ir ao concerto, que nos predispõe para uma experiência especial;


3) Momento: o concerto é um evento único. Irrepetível. Ainda que levassemos para casa a gravação do concerto que acabamos de ouvir, a nossa relação com a música já não seria a mesma (posso aqui invocar a experiência pessoal de conhecer o registo de concertos onde estive presente: uma ocasião em que o Wim Mertens tocou ao vivo no São Luís em 1993 e um recital do Pedro Burmester na Gulbenkian em 1997 - no qual interpretou os Prelúdios de Chopin);


4) Disponibilidade: a música gravada está à nossa disposição. Sempre. Ouço o que me apetece, quando me apetece: seja Vivaldi ou Massive Attack. O telefone toca? não há problema: paro a música ou baixo o volume. Há faixas de que não gosto particularmente? não há problema: passo à frente. Posso levá-la para onde quero: ginásio, carro, trabalho, bicicleta. Na música gravada nós temos o poder. De seleccionar o que ouvimos, quando ouvimos e onde ouvimos.


Dos pontos anteriores decorre mesmo num sistema “ideal”, a nossa relação com a música não seria a mesma. O que entendo por sistema “ideal”? Suponhamos que era possível captar exactamente a experiência auditiva numa sala de concertos. Suponhamos ainda que tínhamos à nossa disposição um sistema de estimulação do nosso córtex auditivo. Este partiria do registo sonoro para nos transmitir sem qualquer outra intermediação os estímulos auditivos do local da “performance” (aqui está o meu conceito de som absoluto). O que eu sustento é que, ainda assim, a relação que estabeleceríamos com a música e a forma como a iríamos percepcionar seria diferente.


Voltemos “à Terra”. Em casa reproduzimos um disco. Mas o que chega aos nossos ouvidos é a concatenação da assinatura de cada um dos intermediários do sinal convoluída com a acústica da nossa sala. A gravação pode ter sido efectuada no Concertgebow de Amsterdão mas o que estou a ouvir é uma convolução da gravação (já de si diferente da performance) com as características acústicas das colunas e da sala. Mas até aqui tudo bem. Estaremos de acordo, não? Mas a questão do *realismo* toca questões duma singeleza atroz. Detenhamo-nos num: todos os sistemas, mesmo os mais minimalistas, têm um controlo de volume. A verdade é que nem concebemos um sistema sem essa funcionalidade mínima. Porém, num concerto eu não posso pedir a uma orquestra para moderar o volume de um 'tutti', assim como não posso pedir ao cravista para subir o volume. Quer se vá a festivais de rock e o som que conhecemos da música ao vivo é o dos PA, quer se vá ouvir as grandes orquestras mundiais ao coliseu, quer se ouça um quarteto de cordas, a música tem um volume próprio. Os vizinhos, o bebé que dorme ou o nosso gosto pessoal levam-nos a ouvir a música a um volume adequado às circunstâncias, ao nosso próprio conforto e - indo mais longe - ao nosso próprio sistema. Mas algo tão simples como isto interfere com o «realismo».


Notas (3):


Será que o sistema mais fiel é o mais fiel ao disco? Na fotografia digital, o resultado que visualizamos e imprimimos não corresponde à imagem tal qual é registada pelo captor. Porquê? Porque essa imagem é MÁ. Todas as máquinas digitais tratam a imagem em, pelo menos, dois passos:


1) Interpolação da imagem 'original' (num captor digital, cada 'pixel' é obtido por interpolação de uma 'célula' de 2x2 pixeis, em que dois reagem a verde, um a azul e outro a vernelho). O algoritmo de interpolação é muito importante (logo proprietário...) para a qualidade final. Ou seja, dois captores iguais podem ter resultados drasticamente diferentes, quando usados com algoritmos diferentes.


2) Sharpening da imagem, ou seja, aumento do contraste local. Se o algoritmo 1) tem muito impacto na qualidade global da imagem, um dos resultados é criar imagem muito 'difusas' para nosso gosto (embora o detalhe esteja lá todo...), como é natural: uma interpolação sobre 4 pixeis gera 4 pixeis mas em que existe uma grande correlação entre todos... É essencial aumentar o contraste local da imagem mas... é muito difícil obter algoritmos que melhorem o contraste local sem aumentarem o ruído de fundo (grão...) do captor, especialmente sem um Pentium 4 à mão.
O que é que isto tem a ver com Áudio? Convido-vos a reflectir um pouco sobre o assunto.



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