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2003

A Verdade Da Mentira



Na minha recente visita a Itália para estar presente na estreia mundial das colunas de som Sonus Faber Stradivari, tive oportunidade de manter uma longa conversa sobre temática áudio com um dos mais reputados críticos mundiais: Martin Colloms.
A propósito do Super Audio CD, o novo formato que a parceria Sony/Philips pretende impor como o substituto do CD, face ao assédio do DVD-Audio, Martin Colloms foi muito claro:


«Nós, críticos de áudio, temos o dever moral de informar os leitores de que o SACD não passa de uma tentativa de a Sony/Philips continuarem a receber «royalties», agora que a patente do CD caiu no domínio público.


Em termos comerciais, o SACD é um desastre: três anos depois do lançamento ainda não é possível encontrá-los à venda em todo o lado e, mesmo em lojas do centro de Londres, ainda há empregados que nem sabem o que isso é (o mesmo se passa por cá...).


Em termos técnicos, também não traz nada de novo, até porque a maior parte dos discos editados são «falsos» SACD, isto é, gravações que nasceram e foram misturadas em PCM (o suporte digital do CD) e depois transferidas para DSD-Direct Stream Digital (o suporte digital do SACD). E os estúdios não estão dispostos a investir milhões em novos equipamentos só para satisfazer os interesses económicos da Sony/Philips e continuam a gravar e a misturar em PCM.


A DSD foi criada como formato de arquivo digital de alta resolução, quando a Sony descobriu que havia milhares de registos analógicos nas caves da Columbia a degradar-se aceleradamente. A DSD é quase perfeita - o SACD não. A vantagem da banda larga até aos 100kHz é uma fantasia: acima dos 50kHz só lá está distorção, daí a obrigatoriedade da filtragem, ou lá se vai o amplificador...».


Pela amostra junta, é óbvio que Martin Colloms é um acérrimo adversário do SACD. Do outro lado da barricada, estou eu, que considero que o SACD é o CD como ele sempre deveria ter sido. E defendo que, garantidas certas condições, é possível obter resultados com SACD que nem em sonhos o CD lá chega.
Dou de barato a Martin Colloms que DSD e SACD não são a mesma coisa. Assisti à apresentação mundial da DSD em S. Francisco, em 1996, e logo aí ficou claro que a matriz original em DSD registada no disco rígido de um computador tinha uma qualidade que deixava o SACD correspondente na sombra. Mas também ficou claro que o CD correspondente era um parente ainda mais afastado do original.


Dou de barato a Martin Colloms que a maior parte dos SACD têm muito de CD e pouco de «Super» e não passam de originais analógicos ou PCM que as editoras aproveitam para voltar a impingir-nos pela enésima vez.


Dou ainda de barato a Martin Colloms que muitos leitores-CD convertem o sinal DSD para PCM - daí que a diferença entre SACD e CD seja nula ou de nenhum efeito. E também que muitas pessoas tratam os SACD como se fossem DVD e ligam o leitor ao amplificador por meio de cabo digital coaxial, sujeitando-o ao inevitável processamento PCM. Embora os últimos modelos da Denon, Pioneer e Sony já tenham uma saída digital iLink com débito suficiente para «acomodar» os 6-canais de alta-resolução, os leitores-SACD devem ser ligados ao amplificador por meio de 6-cabos analógicos (RCA) individuais nas entradas directas não-processadas.

Acontece que só os últimos modelos de amplificadores AV dispõem destas entradas. Acresce ainda a tudo isto o facto de a maior parte dos sistemas de colunas 5.1 terem sido concebidos para aplicações AV, isto é, para reproduzir o som «surround» dos DVD. E aqueles inefáveis «satélites» reforçados com «subwoofers» de meia-tigela a que carinhosamente se chamam «kit», não têm andamento para o som do SACD. Nestes casos, é até preferível prescindir do som multicanal e optar pelo estéreo num par de colunas decentes.


Aceito que são demasiadas variáveis para que o SACD possa um dia ser um produto comercial viável e não apenas um nicho de mercado como é hoje o LP. Mas em condições ideais a experiência auditiva proporcionada pelo SACD é uma benção dos céus numa era em que o MP3 é considerado música...


Estão neste caso os dois discos que vos recomendo da etiqueta Pentatone Classics da editora Polyhymnia. Reproduzidos num sistema composto por leitor XA777es (que continuo a considerar como o melhor leitor-SACD multicanal da Sony) amplificação Krell Showcase, colunas Martin Logan, cabos Nordost Valhalla e Siltech Classic e um «cheirinho» (centrado nos 36Hz) de um «sub» MJ Acoustics Reference I, provaram que não há pior surdo do que aquele que não quer ouvir...



TCHAIKSOVSKY: Concerto para Violino e Concerto para Piano No. 1,Christian Tetzlaff, violino; Nicolai Lugansky, piano, Orquestra Nacional Russa, Kent Nagano



DVORAK: Sinfonia No 9, «Novo Mundo»; TCHAIKSOVSKY: Abertura «Romeu e Julieta», Orquestra Filarmónica de Amsterdão, Yakov Kreizberg


A Polyhymnia é uma editora criada pelos quadros da antiga Philips Classics, especializada no registo de música acústica interpretada em tempo real em salas de concertos, igrejas e auditórios, ou seja, aquilo a que os audiófilos chamam «o som absoluto», pelo qual todos os outros devem ser aferidos, o único que pode determinar a fidelidade de um sistema ao original, em termos tímbricos, tonais e de reprodução das relações de tempo e espaço.


Para garantir que as suas gravações são um cópia tão exacta quanto possível do concerto original, a Polyhymnia constrói ou modifica o próprio equipamento de registo e liga os microfones Neumann KM 130, DPA 4006 e DPA 4011 directamente a um conversor Meitner DSD AD, sendo a mistura multicanal posterior efectuada sob formato DSD num Pyramax Virtual Studio da Merging Technologies 5.0 e monitorizada em colunas BW Nautilus cabladas por van den Hul.
O resultado está à vista (melhor, ao ouvido) nestes dois SACD-híbridos multicanal, nos quais os canais traseiros são utilizados com parcimónia e apenas para efeito de «ambiência» (som directo no par frontal e coluna central, som reflectido no par traseiro): a pureza de timbre, corpo e dinâmica é tal como as experimentamos ao vivo. A resolução é tão elevada que a famosa assinatura acústica do Concertgebouw de Amesterdão é imediatamente reconhecível na Sinfonia do «Novo Mundo», mesmo antes da Orquestra Filarmónica de Amsterdão começar a tocar, por oposição à acústica mais «intimista» da sala do Conservatório de Moscovo. E o timbre característico do «Guarneri» de Christian Tezlaff, ainda que se trate de uma cópia do construtor alemão Peter Greiner, foi mantido intacto através do complexo processo de registo, mistura, masterização e transcrição para SACD. Mas são os metais da «Nona» de Dvorak e os violoncelos/contrabaixos fúnebres do «Romeu e Julieta» de Tchaiskovsky, a ressoarem na acústica única do Concertgbouw, que me deixaram com pele de galinha. Um «romance» trágico que vai dar muito trabalho ao seu «subwoofer»...


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