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2004

Hovland: Música Em Tons De Azul



Hovland HP100+Saphire


Passo a vida a elogiar os amplificadores a válvulas e giradiscos. Na verdade não sou muito diferente dos políticos: digo uma coisa e faço outra. Em casa oiço CD e utilizo amplificadores a transístores, como 98% dos meus leitores. É mais prático, mais limpo e mais «fiável». E também não minto se disser que vejo hoje mais DVD com som surround e oiço menos música. No fundo, tento apenas estar a par dos tempos.



Contudo, sempre que vou a Las Vegas, sinto-me como traidor dos meus próprios princípios audiófilos, ao constatar que o melhor som é invariavelmente reproduzido por amplificadores a válvulas, tendo como fonte o velho LP. É tudo mais natural, mais musical - numa palavra: mais humano. E não é isso que procuramos na música: um pouco de conforto espiritual?



Um dia, já lá vão uns anos, Jeff Rowland veio a Portugal. Fomos almoçar a um excelente restaurante no Porto. Jeff é vegetariano e... bom, mais ou menos, gosta de camarões frescos, queijo da serra e vinho do Porto... mas, dizia eu, sendo vegetariano, pediu uma travessa de legumes cozidos. Os legumes fresquíssimos suscitaram-lhe longas interjeições de prazer. Quando chegou à cenoura, Jeff não resistiu mais e exclamou: «Ah, então é assim que as verdadeiras cenouras sabem?!...»


Quando oiço música reproduzida por amplificadores a válvulas, apetece-me dizer o mesmo: «Ah, então é assim que a verdadeira música soa?!...».


Hovland Sapphire


Coloquemos lado a lado um amplificador a transístores e outro a válvulas e socorramo-nos de um osciloscópio e de alguns sinais de teste: chega-se facilmente à conclusão que este último sofre de distorção além de outras aberrações eléctricas inaceitáveis no actual estado da arte. Mas a música não são sinais de teste e o nosso sistema auditivo não é um osciloscópio. Tem pois de haver uma razão para gostarmos do que a ciência nos diz que está errado.



Em 1972, Russell O. Hamm, um engenheiro de som, apresentou na 43ª Convenção da Sociedade de Engenharia Áudio, em Nova Iorque, uma tese que pode explicar o que, em certa medida, sempre foi considerado apenas como uma sensação subjectiva sem fundamento científico.



Hamm constatou que os discos gravados com equipamento a válvulas soavam «mais alto», mesmo quando o nível eléctrico aferido era idêntico. Ainda hoje os grandes discos de jazz dos anos 40 e 50 nos deixam surpreendidos pela qualidade do som. E concluiu que o segredo residia no «têmpero do caldo de distorção harmónica», isto é, no relacionamento musical entre as diferentes harmónicas e os tons fundamentais, algo que os artesãos fabricantes de orgãos de catedral já tinham descoberto séculos antes.


O timbre de um instrumento é determinado pelo nível das primeiras harmónicas que se dividem em dois grandes grupos tonais: a terceira e a quinta produzem um som «abafado», a segunda, quarta e sexta produzem um som «coral», «cantante», sendo que, no caso em questão, a segunda e a terceira são também as mais importantes em termos de distorção. Musicalmente a segunda está apenas uma oitava acima da fundamental e é quase inaudível (ainda que o osciloscópio diga o contrário), mas adiciona corpo ao som; enquanto a terceira, mesmo em pequenas quantidades, tem o efeito contrário, conferindo ao som um elemento «opaco» e «metálico». Ora os amplificadores a válvulas são ricos em «segundas», do mesmo modo que os a transístores o são em «terceiras».



Mas há mais: os amplificadores a transístores têm aparentemente mais poder e dinâmica, mas entram mais cedo em sobrecarga. E é aqui que a porca torce o rabo (alguns fabricantes como a Krell fazem tudo para que isso nunca aconteça). A margem de tecto dinâmico dos «transístores» é de 5dB, a partir da qual a «3ª harmónica» (a tal que endurece o som) dispara no gráfico, e as «ímpares» de ordem elevada, que se seguem, soam como «ruído branco»: um corpo estranho e áspero cavalgando a fundamental. As «válvulas» têm uma margem de 20dB e, mesmo quando entram em sobrecarga, são «harmoniosas», isto é, têm uma estrutura mais aberta composta por harmónica pares e ímpares de ordem elevada como a 7ª e a 9ª que soam sempre «relacionadas» com a fundamental. Este «cocktail» harmónico faz as válvulas «soar mais alto» mesmo quando a pressão sonora é idêntica. A distorção está lá e é mensurável, mas soa como... música aos nossos ouvidos.


Por outro lado, dentro da margem de 15-20dB de sobrecarga, o nível eléctrico de saída sobe apenas 2-4dB sem que o ouvido detecte o efeito de compressão graças à presença rica de harmónicas pares (corpo, estatura) junto com um ligeiro têmpero de «periféricas» (7ª, 9ª) que dão recorte e ataque ao som. As válvulas funcionam assim como um compressor natural, e isto «puxa» para a superfície auditiva pormenores antes escondidos no nevoeiro do ruído de fundo (a tal sensação de transparência). Um «handicap» que, tal como no golfe, acaba por ser uma vantagem.


Os antigos microfones com prévios a válvulas nunca precisaram de «limitadores» como os actuais a transístores para evitar sobrecargas quando gravam em cima vozes ou instrumentos como a trompete.Porquê?


E desde quando os construtores de orgãos precisaram de osciloscópios para os afinar?...


O nosso ouvido é o sentido que mais próximo se encontra da nossa origem animal e do instinto de sobrevivência. Eis a razão dos amplificadores a válvulas terem chegado ao século XXI resistindo a 50 anos de evolução do transístor. E, como é o caso dos Hovland, que ilustram esta página, apresentam-se já vestidos para o futuro. Não admira pois que, na era do microndas, o forno a lenha ainda tenha uma palavra a dizer quando se trata do sabor dos alimentos. Pense num cabrito à padeiro cozinhado num microndas. E, já agora, numa pizza...


Nota: a Hovland procura distribuidor em Portugal





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