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Ao bater as asas nos antípodas, o Oladra transformou a cena audiófila no outro lado do mundo. O Oladra transcende a engenharia — é pura alquimia.
Com esta análise, vou tentar provar que o Antipodes Oladra desafia a teoria do caos, ao eliminar o ‘efeito borboleta’ do universo do áudio.
Imagine uma borboleta que, ao bater as asas, na Nova Zelândia, desencadeia uma tempestade no outro lado do mundo. Isto ilustra o “efeito borboleta”: pequenas ações iniciais que podem ter consequências dramáticas no resultado final.
Antipodes deve o seu nome à origem neozelandesa. Já Oladra deriva de uma palavra grega que significa um rebelde, ou alguém que pensa fora da caixa como Mark Jenkins: um iconoclasta puro e duro.
Oladra nasceu de um princípio simples e objetivo: a música deve espoletar emoções profundas, e até estados de alma, não somente prazer físico.
Este servidor/streamer/reclocker é mais do que um dispositivo para reprodução de áudio desmaterializado (digital). Foi concebido para superar as limitações dos sistemas convencionais, que sacrificam muitas vezes a essência do desempenho em nome de uma pretensa fidelidade. A tecnologia deve servir à música, não o contrário.
No áudio digital, o tempo é o alfa e o ómega da perfeição sonora.
No âmago do Oladra, vive a obsessão pelo tempo — ou, mais precisamente, pela sincronização perfeita do sinal digital. No áudio digital, o tempo é o alfa e o ómega da perfeição sonora.

Mark Jenkins
Segundo Mark Jenkins, o seu criador, qualquer computador pode enviar dados para um conversor digital-analógico (DAC), mas poucos conseguem fazê-lo com a temporização perfeita, logo desde o início do processo de conversão. Sem esta precisão inicial, o ‘efeito borboleta’ pode infiltrar-se com resultados catastróficos para a qualidade do som.
A Antipodes divide o processamento por quatro estágios: aplicação de servidor (Server), aplicação de reprodução (Player), sincronização inicial do sinal e a ressincronização antes do DAC.
Com três processadores independentes, o Oladra contrasta com soluções genéricas baseadas numa única placa de computador, oferecendo uma clareza que, ainda segundo Jenkins, eleva cada nota a um novo patamar.
Tecnologia que ‘serve’ a música
Jenkins atribui o notável som do Oladra às ondas quadradas perfeitas e à ampla largura de banda, que preservam a riqueza harmónica com transições binárias suaves. Até mesmo pequenas falhas — como atrasos induzidos por filtros — podem prejudicar essa precisão, como a brisa que se transforma em tempestade na teoria do caos.
Segundo ele, isto deve-se também à revolucionária fonte de alimentação de modo comutado em cascata tripla, aperfeiçoada ao longo de seis anos para substituir as pachorrentas fontes lineares. Com três reguladores independentes e transformadores compactos, fornece energia rápida e limpa, cortando o ruído logo na fonte.
O resultado, diz Jenkins, é um som vibrante e natural, a prova de que pequenos ajustes técnicos podem transformar dramaticamente a experiência de audição. O resultado é um som mais dinâmico e natural. Vamos ouvir se é mesmo assim como ele diz.

Nave espacial alienígena
Esculpido num bloco único de liga metálica, o Oladra pesa uns substanciais 20k. Para evitar esforçar as costas, é aconselhável pedir a alguém que o ajude a colocá-lo numa mesa robusta.
Ao retirá-lo da caixa constatei que o Oladra é uma verdadeira escultura de metal, inspirada na arquitetura fluida e orgânica de Gaudí, sem linhas ou ângulos retos. Se fosse redondo, até podia ser um veículo espacial alienígena: fusão estrutural total, sem porcas ou parafusos à vista.
Nota: o meu exemplar era cor de prata, mas também pode ser encomendado em preto.
No painel frontal, uma longa ranhura dá guarida a dois ‘LED’ discretos: um verde (On) e outro cor de âmbar (Standby). À direita, um enorme botão de ‘Potência’ em acrílico negro, que faz um som mecânico e oco, mas não se ilumina quando o pressionamos (?). Na tampa, está gravado um enorme logo da Antipodes. Simples. Poderoso. Discreto.
O painel traseiro não tem nada de artístico, mas a conectividade é ampla: ranhuras para SSD slots (3 x 8TB=24TB de armazenamento) e ligações para Word Clock (BNC) AES3, S/PDIF (coaxial e BNC), I2S RJ45/HDMI e Network Direct Streaming.
Lá dentro, os quatro andares de processamento, com um servidor V7H de 64GB de RAM, um transporte V7X e os duplos estágios de ‘reclocking’ com precisão de femtosegundos. Mas nada desta tecnologia faz sentido se não estiver ao serviço da música e da experiência auditiva.
Assim, a partir daqui, eu tenho de me comportar com cuidado, porque a habitual litania audiófila não se aplica ao Oladra. É preciso reinventar a arte da ‘escrítica’ para poder continuar.
Kind of Blue
Habitualmente, eu escreveria que o contrabaixo de Paul Chambers, em ‘Blue in Green’, soa com graves sólidos e tensos; os registos-médios do piano de Bill Evans são bolhas de sabão pairando no estúdio húmido, em Nova Iorque, em 1959; e os agudos da trompete de Miles Davis são afiados como uma lâmina.
Mas o jargão audiófilo já não chega para abarcar a magia do Oladra. Para lá do ritmo pulsante de Chambers, revela-se agora também a intencionalidade artística; os acordes de piano de Evans ganham uma leveza fugaz mas palpável, enquanto o saxofone altivo de Coltrane parece por momentos desafiar o trompete abafado de Davis, que lhe responde: respirando, chorando e pairando delicadamente sobre o rasto das vassouras de Cobb, movendo-se languidamente sobre a tarola do kit de bateria Ludwig. É como se ouvíssemos este ícone do jazz pela primeira vez.
Noturnos de Chopin
Quando ouvimos Maria João Pires tocar os Noturnos, de Chopin, já não são só as notas que ela toca, é também o movimento delicado dos seus dedos sobre as teclas, é o silêncio entre frases e a emoção contida nas pausas, que agora ganham um novo significado com o Oladra.
Mas como é isto possível?
Oladra transcende a mera engenharia — é pura alquimia.
Tripla cascata
A fonte de alimentação em tripla cascata do Oladra e os relógios de precisão até podem relegar o jitter e o ruído para um nível que escapa à perceção humana; e a separação das funções de servidor e transporte pode assegurar que o sinal se mantenha puro, enquanto o duplo ‘reclocking’ refina cada bit até à perfeição.
Mas, caros leitores, o Oladra transcende a mera engenharia — é pura alquimia. Infelizmente, também é preciso ter o poder alquímico de transformar chumbo em ouro para comprá-lo, pois custa €34.900!

Roon Core
Apesar do preço elevado, o Oladra não tem um aplicação de controlo própria. Tem apenas aquilo a que chama ‘Solution Dashboard’ para fazer o ‘setup’ inicial. Mas depois vai ter de utilizar um ‘media player’ de terceiros.
A maioria opta por serviços como o Roon, que combina uma interface intuitiva com gestão avançada de bibliotecas e streaming. O Oladra funciona como Roon Core, por isso nem precisa de um computador, o seu smartphone chega perfeitamente para aceder à base de dados do servidor.
No entanto, alternativas mais baratas ou mesmo grátis, como SqueezePlayer, HQPlayer ou MPD com MinimServer estão disponíveis, cada uma com uma influência subtil na qualidade sonora. E eu até descobri outra app, que não consta na lista, mas funciona bem e é grátis: o mConnectLite.
O Oladra também não tem um DAC integrado, vai ter de o ligar a um DAC externo, por meio de uma das muitas ligações possíveis. Depois, liga a saída analógica do DAC ao seu sistema como de costume.
A qualidade de som será tanto melhor, quanto maior for a qualidade do DAC. Mas o desempenho destes ao nível do jitter é quase irrelevante, porque o Oladra tem o jitter controlado ao femtosegundo.
Assim, é possível obter excelentes resultados, mesmo com DACs (USB connection) relativamente modestos, como o iFI Diablo 2, que utilizei com auscultadores Hifiman HE1000, Meze Poet e Austrian Audio The Composer; e ainda o Chord Hugo 2 com o qual ataquei também diretamente o amplificador Lab12 Mighty (10W de Classe A) com resultados pouco menos que assombrosos, que me deixaram de boca aberta, mesmo a níveis baixos de volume: um som cheio, carnudo, natural, dinâmico e orgânico, como só ouvi até agora com master tapes.
Artes transformativas
Além destes, utilizei os DACs internos do HiFi Rose RS520, do Eversolo DMP-A10 e do Devialet Astra (SPDIF connection), embora pudesse facilmente ter acesso a um dCS Vivaldi, um amplificador D’Agostino e um par de Wilson Audio Watt/Puppy.
Mas optei por um sistema modesto ao nível dos DACs (com exceção do Astra, claro), composto também pelo amplificador Lab12 Mighty a válvulas e um par de velhinhas Sonus faber Concertino originais. Não só porque as oiço com regularidade há anos e conheço-lhes demasiado bem a voz, mas porque queria ouvir até onde o Oladra eleva a parada com sistemas mais acessíveis.
Um som cheio, carnudo, natural, dinâmico e orgânico, como só ouvi até agora com master tapes.

Loja de guloseimas
O Oladra chegou-me às mãos já prenhe com música previamente ‘ripada’ por Ricardo Polónia (Imacustica) e judiciosamente catalogada. Senti-me como uma criança numa loja de guloseimas.
Comecei por utilizar o Squeeze para ouvir a Tidal e ficheiros armazenados no meu Synology NAS, que soaram muito bem, mas a interface é demasiado arcaica. Passei para o Roon para ouvir os arquivos armazenados no próprio Oladra: 2TB de música variada de todos os géneros e resoluções.
Correu tudo na perfeição e ouvi música durante horas. Não me lembro de ter ultimamente ouvido música durante tanto tempo seguido. Já não me cansa, pelo contrário dá-me energia para todo o dia, e, quando acordo, mal posso esperar para voltar a ouvir o meu sistema. O Oladra deve estar a fazer algo de muito certo.
Oladra é a cura para a pandemia digital.
Enquanto escrevo, estou a ouvir a Gloria, de Vivaldi, pela Boston Baroque, e tanto as cordas como as vozes soam divinas e a trompete já não me irrita como antes.
A caixa de Pandora
Em 1983, o CD escapou da caixa de Pandora e espalhou pela terra todos os males digitais, como uma peste. Mark Jenkins armou-se em Prometeu e roubou o fogo aos deuses, devolvendo à humanidade a esperança num futuro digital melhor. Oladra é a cura para a pandemia digital.

O CD de Madame Tussaud
Há quem argumente – eu próprio já o fiz muitas vezes – que um CD tocado por um leitor de topo rivaliza com uma experiência ao vivo. Talvez tenham razão, no plano técnico. Mas ao CD faltam as qualidades orgânicas que os LP de concertos ao vivo conseguem preservar. O CD pode ser tão assustadoramente real como uma figura de cera da Madame Tussaud. Contudo, falta a ambos a essência da vida — a alma.
Já vimos que o Antipodes Oladra é o alquimista que devolve o sopro da vida à música digital. Ora, isto é mais do que uma proeza técnica, é algo de metafísico: vai agora poder ouvir não só os sons, mas o seu significado profundo. Quem passou muito tempo na companhia de figuras de cera agora vai ter de se adaptar a conviver com músicos de carne e osso.
O Antipodes Oladra é o alquimista que devolve o sopro da vida à música digital.
Them There Eyes
Quem nunca sentiu algum desconforto na presença de figuras de cera, particularmente os olhos, que parecem seguir-nos com aquele olhar vidrado, mas vazio?
Na versão em CD de ‘Them There Eyes’, por Ella Fitzgerald, com a orquestra de Count Basie, os olhos que ela canta são olhos de figura de cera. Mas o Oladra devolveu à canção o sopro da vida, e a voz de Ella suscitou-me de novo reações primárias, com o seu swing provocatório e aquele piscar de olhos sedutor. Uma sensação que esteve sempre lá, mas estava escondida na esterilidade digital do CD.
I fell in love with you the first time I looked into
Them there eyes
You've got a certain little cute way of flirtin' with
Them there eyes
Conclusão: um novo paradigma audiófilo
O Antipodes Oladra não é somente mais uma proposta de áudio high-end obscenamente caro — é uma declaração de princípios, um manifesto digital. Combinando engenharia de ponta com paixão pela música, oferece uma experiência que transcende a mera reprodução de som.
A busca pelo equilíbrio ideal entre a precisão da tecnologia digital e a emoção analógica autêntica atingiu o seu objetivo. Já não há retorno possível. A viagem termina aqui.
Vou sentir a falta do Oladra no meu humilde tegúrio.
Nota: Pode ir ouvir o Antipodes Oladra, no ImacShow, nos dias 4 e 5 de Abril, integrado em dois sistemas: Sistema 1 - Wilson Audio, dCS, Dan D'Agostino, Transparent Cable, Ikigai Audio; Sistema 2 - Magico, dCS, Robert Koda, Transparent Cable, Ikigai Audio.
Para mais informações: IMACUSTICA