Delaudio950x225
Publicidade


Reviews Testes

Devialet Astra – Odisseia sonora rumo às estrelas

Devialet - Front Above - Cover.jpg

Read full article in English here

 

Astras há muitos — até a Opel tem o seu. Mas a Devialet resgata aqui o sentido latino de estrela, evocando a expressão ad astra, a ‘caminho das estrelas’. É uma ambição antiga da humanidade: tocar os limites do universo. Neste caso, porém, o universo é o do áudio, e o Astra surge como uma supernova pronta a iluminar o firmamento digital.

Passei algumas semanas com este novo corpo celeste, e o que se segue é um relato de som, ciência e um toque de extravagância francesa.

O legado da revolução ADH

Corria o ano de 2010 quando testei o Devialet D-Premier pela primeira vez. Um marco que trouxe ao mundo a tecnologia ADH (Analog Digital Hybrid), uma criação genial de Pierre-Emmanuel Calmel – que, entretanto, desertou da marca.

Em poucas palavras, a ADH é um casamento improvável, mas feliz: a Classe A (mestre da tensão) dança um tango íntimo com a Classe D (senhora da corrente), gerando potência elevada com distorção quase nula. Para os não-iniciados, imaginem um ménage à trois sónico: os amplificadores de Classe A levam as colunas a jantar num restaurante francês gourmet, e os de Classe D pagam a conta sem pestanejar.

Tecnicamente, cada módulo ADH é uma obra de arte: um amplificador Classe A por canal, ladeado por quatro módulos digitais por fase de sinal — dois em Classe A e oito em Classe D, num total harmonioso. Os ‘D’ fornecem 99,9% da corrente, funcionando como ‘boosters’ que empurram os Classe A sem jamais se intrometerem no sinal. O resultado é milagroso: a eficiência de um Classe D (85%) com a alma musical de um Classe A.

Ménage à trois sónico: os amplificadores de Classe A levam as colunas a um jantar gourmet, e os de Classe D pagam a conta sem pestanejar.

Engenharia de alta precisão

O amplificador Classe A dedica-se, pois, exclusivamente à tensão, deixando a corrente quase intocada, reduzindo a distorção a níveis espantosos. Nos transitórios de alta frequência — o calcanhar de Aquiles dos módulos de Classe D, com os seus tempos de resposta mais lentos —, o módulo analógico brilha, fornecendo até 5 amperes em breves arroubos de energia.

E há uma curiosidade deliciosa: se quer provas de que é o amplificador de Classe A que alimenta as colunas, retire o cartão DAMP (com os seus oito amplificadores digitais), e o Devialet continua a cantar, agora como um Classe A de baixa potência. Sem o músculo dos Classe D, lá se vão os 200 W /8 ohms, e os módulos entrariam em modo de proteção para não derreterem de exaustão. Atenção: não experimente fazer isto em casa sozinho.

A impedância de saída dos Devialet é um prodígio: 0,001 ohm, garantindo um elevado fator de amortecimento, constante em todas as frequências. Calmel garantia que a impedância dependia somente da resistência dos terminais. A única barreira para cargas de baixa impedância (2 ou até 1 ohm) está na corrente máxima (30 A) e na potência RMS da fonte (cerca de 500 W).

Do D-Premier ao Astra: o caminho das estrelas

Quando ligas uma fonte analógica ao Astra – seja um gira-discos através da entrada phono (MM/MC) ou outro dispositivo via entrada de linha, o Astra digitaliza esse sinal logo à entrada, utilizando um conversor analógico-digital (ADC) de alta qualidade. No caso do Astra, esta conversão é realizada a 24-bit/96kHz, tal como no D-Premier, mas é provável ter sido atualizada para suportar resoluções superiores, acompanhando o DAC de saída que é compatível com 32-bit/384kHz.

Uma vez digitalizado, o sinal é processado no domínio digital. É aqui que entram em cena funcionalidades como o SAM (Speaker Active Matching), que adapta o sinal às características das colunas, ou o RAM (Record Active Matching), que otimiza a entrada phono. Este processamento digital permite à Devialet aplicar correções, equalização e outras artes mágicas com precisão cirúrgica. Só depois o sinal é enviado para o "Magic Wire" – a etapa onde o DAC converte o sinal de volta para formato analógico, imediatamente antes da amplificação, tendo assim de percorrer menos de 5 centímetros, preservando assim a integridade do sinal.

Astra: potência e elegância redefinidas

O Astra preserva a essência ADH, mas eleva a parada. As diferenças face ao D-Premier e ao Expert não são meramente cosméticas. De base estão todos classificados como de 150W/8 ohms ou 300W a 4 ohms, com algumas variantes. Tal como os antecessores, o Astra pode ser configurado em modo ponte (bridged), unindo dois amplificadores em monoblocos para duplicar a potência de um Astra isolado: um ‘Solo’ transforma-se num ‘Dual’ de tirar o fôlego — a si e à sua carteira (€32.000).

O D-Premier e o Expert, com aquele cromado espelhado, eram um regalo para audiófilos narcisistas – mas também um íman de dedadas, sempre a pedir um pano de microfibras. Pareciam lingotes de prata saídos de um cofre suíço, mas, sejamos francos, tinham um certo exibicionismo de novo-rico, gritando ‘olha para mim, e vê-te ao espelho!’ em vez de ‘ouve-me, pá!’.

O Astra, pelo contrário, troca o brilho espampanante pela sobriedade: linhas suaves, acabamentos mate (light bronze) e uma silhueta que parece esculpida por um discípulo de Le Corbusier. É mais leve (perdeu uns quilos), mais compacto, e ostenta um ecrã OLED discreto mas elegante – uma pequena joia funcional controlada pelo controle remoto, que parece um ovni. Há ainda uma versão Opera (de Paris), banhada a ouro, por mais 4000 euros. Os franceses ainda sonham com Versalhes e o Império.

Nota: Enquanto escrevo estas linhas — no dia em que Macron visita Portugal sob chuva intensa, tentando vender-nos sistemas de artilharia Ceasar —, deleito-me com o Astra. Armas? Não, obrigado. Prefiro que nos vendam mais Astras. Tenho uma carta oficial com o reconhecimento da Nação pelo meu sacrifício como militar. Não quero que os meus netos a recebam também, obrigado!

Os Expert tinham um certo exibicionismo de novo-rico, gritando ‘olha para mim, e vê.te ao espelho!’ em vez de ‘ouve-me, pá!’.

A essência refinada

Tudo o que o D-Premier e o Expert ofereciam se mantém: o phono stage, o DAC, o SAM (Speaker Active Matching), entre outros. Mas o Astra vai mais além, com um streamer Roon Ready integrado, compatível com Apple AirPlay, Google Cast, Spotify Connect e Tidal Connect. Acrescenta Wi-Fi 6 (dual-band), Bluetooth 5.3 com codecs de topo (como aptX HD), entradas digitais (ópticas, coaxiais, USB-C) e uma saída pré-amplificada para subwoofers ou configurações mais ambiciosas com amplificadores externos. O Core Infinity do Expert parece agora um rádio AM dos anos 70.

A ciência do som

Contudo, a eficiência energética do Astra é muito superior. O segredo está nos módulos Classe D redesenhados, com comutação mais rápida e controle térmico que evita transformar o aparelho numa chapa para assar sardinhas. O DAC evoluiu também para PCM até 32-bit/384kHz e DSD256 (via USB-C ou rede), superando os 24-bit/192kHz e DSD64 do Expert Pro. A distorção harmônica (THD+N) desce a 0,00025% a 10 W (contra 0,0005% do Expert) — um detalhe para audiófilos com ouvidos de radar.

Com um rácio sinal-ruído de 130 dB (contra 120 dB do Expert) e uma resposta em frequência de 2 Hz a 40 kHz (-3 dB), o Astra ultrapassa os limites do audível — um luxo reconfortante, mesmo que inútil para os mortais.

O Astra ultrapassa os limites do audível — um luxo reconfortante, mesmo que inútil para os mortais.

A revolução francesa

O Astra não inventa a roda (ou a guilhotina) como o D-Premier ou o Expert Pro outrora fizeram; antes, pega no legado e dá-lhe um tratamento de alta-costura. É um prodígio técnico – mais potência, menos ruído, conectividade à prova de futuro e um DAC que merece aplausos. Esteticamente, prefere a discrição à ostentação – um alívio para quem já se fartou de polir os Expert como se fossem as pratas da família.

Vale o investimento? Se tem um Expert Pro e está feliz, talvez não precise de trocar, salvo se o streaming ou o design futurista o seduzirem. Mas para quem entra agora no universo Devialet, o Astra é um bilhete dourado para o som do século XXI. Custa os olhos da cara, sim, mas tem aquele je ne sais quoi que transforma cada nota musical num menu de degustação de um restaurante com 3 estrelas Michelin.

Mon affaire avec Astra

Ser crítico de áudio é um ‘dream job’ para qualquer audiófilo. Porque eu não tenho de pagar €16.000 para ‘ter um caso’ com um Devialet Astra, embora o empréstimo dure menos que a proverbial vela breve de Shakespeare, que, a propósito da vida, escreveu: Out, out brief candle! Life's but a walking shadow...

Assim, o Astra vai voltar para a Imacustica; e eu parto para outra, que já espera na fila. Se eu tivesse de comprar todos os aparelhos que testo, teria ido à falência. Mas esta é a única forma de eu antecipar a experiência de utilização/audição que um potencial comprador vai ter.

O Astra é um Cartier. Só para quem pode!...

O Astra não é indicado para audiófilos ortodoxos, que se ajoelham no altar das válvulas. E também é verdade que com menos de mil euros se pode comprar um razoável amplificador de Classe D made in China. Mas, lá por que é possível saber as horas certas com um Swatch de plástico, não é o mesmo que andar com um Cartier no pulso. O Astra é um relógio Cartier. Só para quem pode!

O Astra é um objeto de luxo e de desejo que leva a alta tecnologia e a alta fidelidade para o ambiente doméstico com classe, sem impor demasiado a sua presença e sem gastar demasiada energia.

A maioria dos potenciais compradores vai utilizá-lo exclusivamente como Streamer, ligado ao telemóvel via Air-Play, Bluetooth, Google Cast, Roon ARC ou USB-C. Foi assim que iniciei as hostilidades. O som é daquele género que se deixa tocar durante horas, tão sedutor como Françoise Hardy.

O controle remoto é o Mini-Me do Astra e funciona via Bluetooth. Tem apenas as funções essenciais, mas é um prazer fazer girar aquele volante entre os dedos e sentir a estabilidade que o peso lhe confere. Não foi feito para andar na mão, assenta-se na mesa ou secretária e não tuge nem muge. Exceto se precisar de o utilizar como arma de arremesso…

Em alternativa, pode e deve instalar a app de controle, no telemóvel ou no desktop (mais completa). Além de regular o volume, pode escolher as fontes (digitais ou analógicas), os serviços de música (Spotify, Tidal, etc.). No desktop app, todas as entradas podem ser configuradas para exercer outras funções: uma entrada phono pode passar a linha; e uma entrada pode passar a saída de prévio/sub, por exemplo. Tem ainda um equalizador incipiente, que só regula agudos e graves.

Mas no configurador avançado pode optar pela tecnologia SAM, que adapta o sinal de saída às características da coluna, selecionando-as de uma lista de 1200 modelos catalogados por marca; ou a tecnologia RAM para configurar a entrada Phono, mesmo enquanto toca.

Como um par de velhinhas SF Concertino não constava na lista, optei pelas equivalentes no tamanho Minima Amator. Os resultados com e sem SAM são subtis, mas ouvem-se como um ‘enchimento’ das harmónicas médio-graves e graves.

No tempo em que a configuração SAM vinha em memórias SSD, fiz uma curiosa experiência, na Imacustica, em colaboração com Paulo Soares, que ficou registada em vídeos, que podem agora rever em baixo. Nota: também pode ler o relato escrito da experiência nos Artigos Relacionados: Play It Again Sam.

‘L’Astra est un astre qui chante l’infini, un rêve d’or dans le silence noir’

Devialet 250/ Wilson Audio Sophia III (sem SAM)

Devialet 250/ Wilson Audio Sophia III (com SAM)

Se bem me lembro, o som é, de uma maneira geral, muito semelhante ao do D-Premier/Expert. Mas julgo ouvir algumas melhorias: no controle e extensão do grave; na ‘luminescência’ do agudo, sobretudo a níveis elevados, que parece agora mais desvanecida; na apresentação mais recuada da imagem; e na profundidade e largura do palco sonoro. O Astra é mais diplomático e suave na sua performance musical, onde o Expert podia apresentar alguma frontalidade e ‘acidez’. Mas o ADN é claramente o mesmo.

E fecho com palavras poéticas inspiradas por Brel: ‘L’Astra est un astre qui chante l’infini, un rêve d’or dans le silence noir’ (O Astra é um astro que canta o infinito, um sonho de ouro no silêncio negro).

Vá ouvi-lo na IMACUSTICA. É como provar um bom vinho francês sem ter de pagar a garrafa.

Devialet Front Above Cover


Delaudio950x225
Publicidade