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Editorial

Natal 2014

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Oiça-se uma missa de Bach, e logo um sentimento de paz e serenidade nos ilumina o espírito. A música, quando reproduzida no limite da perfeição, pode ser um factor determinante de pacificação interior. Só haverá paz no mundo, quando todos os homens estiverem em paz consigo próprios.


A tecnologia digital tem evoluído de forma assustadora, arrasando à sua passagem tudo o que a musa antiga canta, deixando muitos audiófilos indefesos perante o avanço do progresso. Numa época em que tudo é relativo e transitório, a constante inovação e o tempo de vida limitado dos produtos parece ser a única condição de sobrevivência do sistema, criando ansiedade no espírito dos consumidores.


O ritmo da economia impõe uma constante mudança, de tal forma que, paradoxalmente, mudança e rotina se confundem agora num movimento perpétuo.


Neste contexto, há audiófilos que preferem refugiar-se nos valores da tradição, suportada por um conjunto de referências que formam um mapa cognitivo comum. O amplificador a válvulas tornou-se assim um objecto de culto para gerações sucessivas de iniciados nas artes do som, acabando por ganhar o estatuto de mito, e colocando-se ao abrigo do arbítrio da sociedade de consumo.


O mito não tem princípio nem fim: a sua origem perde-se no tempo, como ensinou Lévy-Strauss, logo o mito não está igualmente sujeito aos efeitos perversos da sua passagem.


Na era do digital, o amplificador a válvulas continua a ser idolatrado, por razões nem sempre passíveis de explicar racionalmente – como convém aos mitos – e os rituais em sua honra pretendem esconjurar os males da obsolescência.


Nota: ver em Artigos Relacionados teste de JVH ao duo a válvulas Audio Research GS Pre/150 na edição da revista inglesa Hifi News Jan 2015.

Nota: este fim-de-semana (20-21 Dez) realiza-se a 3ª Edição de Portugáudio, mostra de equipamento de áudio construído em Portugal, no Conservatório de Música D.Dinis, em Odivelas, onde vai poder apreciar muitos amplificadores a válvulas (ver Artigos Relacionados)


Rituais imutáveis que se repetem no tempo de forma circular, segundo o ritmo cíclico da própria natureza, por oposição ao tempo linear, que nas sociedades modernas aponta sempre no sentido do futuro, obrigando a constantes mudanças no presente sem respeito pelo passado.


A fé inabalável dos audiófilos na superioridade do som dos amplificadores a válvulas resistiu ao longo dos tempos. Por oposição à força bruta do transístor, a luz quente e suave das válvulas confere ao ouvinte uma paz interior, como se ele cogitasse frente à lareira, sem pressas, dando tempo ao tempo, apenas deixando que o ritual da «queima das velas» se cumpra para que a bondade musical da divindade se possa manifestar em toda a sua glória.


A «válvula pura» busca o consenso envolvendo todos os sons no mesmo amplexo, enquanto o toque dos seus dedos luminosos massaja a alma, deixando-a num estado de dormência langorosa.


Quando os tríodos se iluminam como uma árvore de Natal, ouve-se primeiro o sussurro do sopro morno, que nos deixa com pele de galinha; depois a sala enche-se pouco a pouco de som: a resposta ao mais rápido dos transitórios é tão imediata que redefine o conceito de «momento» no tempo e no espaço musical; as notas surgem furtivas e desaparecem deixando um vácuo de silêncio puro que é preenchido pelas notas seguintes, numa sucessão alucinante de momentos únicos, que se entrelaçam numa espiral encantatória de sons individualizados, personalizados, distintos.


A empatia entre o ouvinte e a música é total – o homem está finalmente em paz consigo próprio. E com o mundo.


Nota: texto revisto e adaptado pelo autor do artigo originalmente publicado na revista DNA em 21 de Dezembro de 2002 (ver pdf). Ver aqui (Português) e aqui (em Inglês) outro artigo de opinião filosófica de JVH sobre válvulas.

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