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2007

Nautilus Na Transom: O Tira-teimas



Tudo o que aqui fica escrito sobre a performance das Nautilus em Portugal refere-se ao par - e apenas a este par - de “colunas de serviço” que há anos funcionam como embaixadoras itinerantes. São uma espécie de banda que dá concertos aqui e ali, sujeitas aos maus tratos nos transportes e shows internacionais e, quantas vezes, sabe Deus, sujeitas até à violência doméstica dos próprios distribuidores, que os há também ignorantes, para não falar na curiosidade mórbida dos visitantes, que gostam de ouvir com os dedos...



Este é o mesmo par que esteve presente no Audioshow 2004 onde, conduzidas pelo braço seguro do Alberto Silva, cantaram e encantaram. Ao Highend 2007 - Porto, chegaram, após três anos de vida promíscua, já cansadas e doentes, vindas de Itália: uma das unidades de médios estava em mau estado. O altifalante foi, entretanto, substituído, mas a verdade é que as Nautilus actuaram na Transom ainda mal refeitas da lesão: certos sons percutivos de piano eram acompanhados por uma ligeira vibração mecânica, quase imperceptível, no canal direito, que não parece ter afectado o alto nível do desempenho geral. Vamos, pois, partir do princípio que este par 'oficial' de Nautilus não é, neste momento, após um passado de devassidão, representativo do modelo original, mundialmente reconhecido como uma obra prima audiófila.



Ao contrário do que sucedeu em outros países (França, Itália, Alemanha, EUA) onde tive oportunidade de as ouvir, em Portugal, as Nautilus não se podem queixar nem da hospitalidade VIP dispensada pelo distribuidor ArtAudio, nem do carinho do público, à partida rendido aos seus múltiplos encantos físicos e acústicos; e, muito menos, dos seus... “tratadores”:
Alberto Silva, Rui Calado e as Nautilus(foto Sony Alpha 700)



Alberto Silva e Rui Calado, embora com personalidades diferentes, que se reflectem na abordagem técnica e na selecção musical, são ambos especialistas com vasta experiência de demonstração e audição e, sobretudo, com uma enorme paixão pelo áudio, além de serem profissionais de grande competência e honestidade intelectual. Tenho a honra de os contar como amigos, além de indefectíveis companheiros nesta viagem sem fim em busca do inefável Graal Sónico, que nos escapa mesmo quando finalmente parece estar ao nosso alcance, como é o caso das Nautilus.



Num estilo muito próprio, cada um explora as características que mais se aproximam da sua concepção particular de “som absoluto”, sem fundamentalismos, reconhecendo com frontalidade as (poucas) limitações técnicas dos equipamentos highend que demonstram e aceitando as opções pessoais um do outro.
O Alberto cultiva a nuance, o espaço, a ambiência, a profundidade da imagem, no universo sonoro etéreo e cenográfico da música clássica ou no experimentalismo musical do jazz de vanguarda; o Rui compraz-se na presença, no enfoque e solidez da imagem central, no ataque, na dinâmica, na massa sonora das grandes orquestras sinfónicas, no virtuosismo dos solistas e nos transitórios fulminantes de piano ou percussão, buscando o efeito de surpresa que experimenta com os instrumentos tocados ao vivo em tempo real, numa abordagem musical múltipla influenciada pelo rock e pelos blues.
Alberto Silva com as Nautilus no Audioshow 2004


No Audioshow 2004, pela mão do Alberto, as Nautilus revelaram algumas facetas da sua complexa personalidade. Escrevi a propósito na altura:



“As Nautilus são inultrapassáveis na preservação temporal do invólucro harmónico que envolve os sons fundamentais. Neste particular, batem-se com as melhores colunas electrostáticas... O silêncio intersticial é fantasmagórico e a cauda de reverberação, o chamado «decay», chega a ser emocionante, em especial com música antiga e piano... As Nautilus têm total ausência de colorações de caixa. Por isso talvez soem a ouvidos habituados ao tradicional «caldo colorido» da madeira como frias. Mas esta limpeza asséptica está prenhe de musicalidade e os graves são profundos e articulados.

As Nautilus na sua visita à Transom(foto Sony Alpha 700)


Na Transom, Rui Calado fez uma demonstração espectacular que, no entanto, revelou também alguns aspectos surpreendentes das Nautilus (nem sempre pelas melhores razões), que ele próprio admitiu existirem, como profissional íntegro e honesto: se é verdade que não sofrem de colorações de caixa e reproduzem os registos graves e médio-graves de uma forma única e difícil de igualar (a mão esquerda dos pianistas provoca-nos calafrios de prazer - honi soit...), não é menos verdade que sofrem de algumas colorações tímbricas típicas dos altifalantes de metal e potenciadas pelo excesso de energia nos registos médio-altos, patente na ênfase dada a todos os sons cuja fundamental se centre nos 7kHz.

As Nautilus vestidas de azul meia-noite (foto Sony Alpha 700)


O impacte de uma corda de contrabaixo acústico batendo com violência no braço do instrumento, por exemplo, sobressalta-nos na cadeira, porque os harmónicos superiores lhe conferem uma acutilância e um recorte impressionantes. O mesmo se aplica a certos instrumentos de sopro. Por outro lado, matrizes analógicas com excesso de ruído de fita ou captações de voz nas quais a sibilância não foi controlada podem tornar as Nautilus algo impertinentes com certos discos, em especial a níveis sonoros elevados, motivo pelo qual já têm sido catalogadas como “analíticas”, também no sentido positivo de que nada escapa à lupa da sua reprodução. Os anglosaxões chamam a este tipo de som “hot” ou “spicy”. Picante para mim só se for caldeirada de caracóis. Curiosamente, as Nautilus são menos picantes ouvidas “on-axis”, na “sweet spot”, que “off-axis”.



Ora isto revela o peculiar padrão dispersivo da calote da unidade de médio-agudos, que funciona aqui quase como uma lanterna eléctrica, iluminando a cena do crime, como na série CSI, em busca do mais ínfimo pormenor: um cabelo, uma fibra, ouve-se tudo!, que permita determinar sem margem para dúvidas o ADN dos músicos (a sigla DNA provoca-me ansiedade e nostalgia).

As Final com os Hegel, na Transom(foto Sony Alpha 700)


Há quem confunda luminosidade com transparência. A luminosidade é a capacidade para reflectir o brilho do som; a transparência é a capacidade para deixar passar a luz do som. Assim, um som pode ser simultaneamente escuro e transparente. Por outro lado, pode ser brilhante e opaco. Na sala ao lado, as electrostáticas Final eram um bom exemplo de um som escuro e transparente, ainda que com limitações dinâmicas e de resposta em frequência. Por paradoxal ou mesmo disparatado que pareça, as Final 1000 alimentadas pelos Hegel soaram-me mais musicais (no sentido de conforto musical) que as Nautilus. A resposta das Nautilus é basicamente plana, o que pode ser óptimo na câmara anecóica do laboratório, mas já não é tanto numa sala pouco absorvente nos agudos.

Lawrence Dickie, posando para o Hificlube na CES 2007


Enquanto estudioso destas matérias, não encontro uma falta que seja no edifício teórico que está na origem desta obra prima de Lawrence Dickie. No entanto, os materiais, sobretudo ao nível dos altifalantes de metal, e as mentalidades evoluíram muito nos últimos 10 anos. Com outros altifalantes (um tweeter e um médio-alto de diamante, por exemplo), e um “voicing” diferente (como o das Vivid, que é menos...eh...“vívido”), as Nautilus, que são hoje um emblema da marca, mais do que um produto comercial, ainda podiam estar aí para as curvas, passe a expressão. Isto não significa que eu não gostasse de dar umas voltas com elas, pois, mesmo assim, são uma das dez melhores colunas de som do mundo; significa apenas que, pelo dinheiro que custam, eu exijo algo mais que uma cara bonita num corpo exótico e cheio de curvas...



Nota: As fotos na Transom foram obtidas por uma câmara digital SONY ALPHA 700 gentilmente cedida pela Sony Portugal/Grupo GCI.




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