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2006

Anthony Gallo Acoustics Reference 3.1 - Parte 1: Introdução



Cortesia Mars Dernier/Impact Campus (direitos reservados)


Honorato Pimentel, amigo do peito e, na minha mais que suspeita opinião, o melhor (permitam-me utilizar uma expressão feliz de MEC) “escrítico” musical do panorama da crítica discográfica nacional, na medida em que se constitui todos os meses como um oásis lexical (e sintáctico!) na aridez do deserto de ideias feitas e frases gastas em que se insere, dizia-me um destes dias, com o humor fino que o caracteriza, algures entre a fronteira da ironia e do sarcasmo, que as mulheres afegãs voltaram a usar a “burka”, porque afinal eram todas feias, velhas e desdentadas.
Afghan Girl, foto de Steve McCurry, National Geographic


Destruiu-se assim a fantasia mediática de que seriam todas lindas de olhos verdes faíscantes, como Sharbat Gula, a criança afegã modelo da famosa foto de Steve McCurry, seleccionada para a capa do álbum das 100 melhores fotos da National Geographic.



No meu caso, eu já tinha visto as Ref.3, na CES 2004, e depois as 3.1, na CES 2006, em Las Vegas, “dançando nuas no chão da rua”. Mas, como já vêm de fábrica com “burka” (talvez para evitar que o WAF, Factor de Aceitação Esponsal, desça ao nível crítico da apoplexia nervosa…), aqui em casa, optei por deixá-las em cima do palco tal e qual saíram da caixa para se habituarem ao meu olhar guloso de “voyeur” audiófilo, durante as experiências íntimas com diversos parceiros: Advance Acoustics MAP407, Halcro Logic MC20, Krell FBI…
Gallo Ref 3.1 com a 'burka' vestida


Até porque esta “burka” deixa ver mais do que esconde, e não achei que a diferença entre a sua exibição “toda nua” ou “toda nua só c'um véu”, como a da canção dos Lunáticos, constituísse um compromisso inaceitável.
Gallo 3.1: aspecto do tweeter CDT cilíndrico


Por isso me deixei “ficar na Lua, onde elas não olham para mim, ou então fingem não olhar…” por detrás da rede que protege o “tweeter” cilíndrico CDT II, que é, este sim, uma obra-prima da arte audiófila. Aliás, ainda me sinto “na Lua”, de onde as observo enquanto tocam, adivinhando-lhes o “esqueleto” erecto sob o manto diáfano, na busca da melhor forma de as descrever sem as ofender:
Gallo 3.1 nuas, como vieram ao mundo


1. As Gallo Reference 3.1 são esculturas abstractas quiçá inspiradas na obra de Pedro Cabrita Reis, montadas a partir de “lixo” industrial do ferro-velho da história: duas balas de canhão renascentista, uma lata de refrigerante americano sem rótulo e um tacho de alumínio com tampa de pressão, tudo sustentado por um suporte metálico reclinado sobre uma base de madeira com pés de alumínio ajustáveis, mais altos à frente que atrás.
Bronze Model on Casual Socle 1, escultura de Pedro Cabrita Reis


Lá bonitas não são. Mas, tal como nas esculturas de Cabrita Reis, há algures no conjunto um sentido estético mais elevado, mais profundo, que nos pode escapar num primeiro contacto e justifica uma análise mais atenta. Aqui não é o “como” que é importante, é o “porquê”…



2. As “3.1” não são assim um mero delírio artístico de Anthony Gallo, com o objectivo único de provocação estética radical; são antes a “figuração” da corajosa ruptura com os cânones que pautaram a produção de colunas de som dinâmicas no século passado, numa tentativa bem sucedida de fugir ao conceito caixotal clássico, do paralelepípedo sonoro e das suas variantes elípticas, sem os inconvenientes associados à rebeldia criativa per si.
Northern Stairs, escultura de Pedro Cabrita Reis


Ao contrário das “escadas” do mestre português do “(des)construtivismo”, que, suspensas no ar, não levam a lado nenhum; ou das portas abertas e barradas com paredes de tijolo, que não pretendem mais que representar uma visão enigmática e inquietante das sociedades urbanas modernas, as colunas de Anthony Gallo, também elas dramáticas na sua “teatralidade” esquelética, exploram no limite do comercialmente tolerável a beleza da função em detrimento da forma: tudo nelas tem um significado funcional, numa alegoria a estados pré-existentes, que são, e cito Lóránd Hegyi, réplicas de “fenómenos de flutuação, movimento e transformação”, residindo apenas na experiência acústica a chave para a sua compreensão.



Só ouvindo, é possível compreendê-las, e ultrapassar a perplexidade de ouvir um som carnudo e táctil com origem em colunas que são afinal só “pele e osso”. A intemporalidade da música é aqui reproduzida por um objecto artístico post-industrial que é a inefável representação de algo pré-existente; presente no conceito e ausente na concepção: a caixa acústica.



A Reference 3.1 é, pois, a consecução de uma utopia radical, e é como tal que irá ser analisada no Hificlube durante as duas próximas semanas.



Nota: A pedido de vários leitores, nomeadamente João Urbano, amigo e leitor de longa data, que alegam já ter lido tudo (uma tarefa ciclópica, que admiro e agradeço, atendendo às centenas de testes, artigos, opiniões, notícias e reportagens já disponibilizados no Arquivo do Hificlube, nestes últimos 4 anos), e gostam de ler coisas novas sempre que acedem ao site, decidi ir publicando os testes à medida que “as páginas vão saindo do forno”.



Aliás, foi assim que Charles Dickens publicou grande parte da sua obra - em fascículos semanais - tendo sido o precursor das actuais novelas.



Assim, o teste das Anthony Gallo Reference 3.1 continua no próximo capítulo. Não perca.




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